Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 164-186, Mai.-Ago. 2022 172 Paulatinamente, passa-se a reconhecer que a administração e seus agentes se encontram vinculados, em diferentes graus, ao ordenamento jurídico, de maneira global. Surge, neste contexto, o princípio da juridicidade administrativa 12 . E, adotando a juridi- cidade como fundamento, poder-se-ia reconhecer que, indepen- dente de previsão legal expressa autorizando sua utilização, a arbitragem se mostre, no caso concreto, o mecanismo que melhor promova o interesse público subjacente ao conflito. O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado igualmente sofreu grandes questionamentos, especialmente no que tange à sua compatibilidade com a teoria dos princípios e a proteção aos direitos e garantias fundamentais dos administrados. Neste sentido, apontou-se que a supremacia do interesse público inexistiria, não havendo norma constitucional que lhe embasasse 13 , bem como a impossibilidade de, aprioristicamente, 12 Nas palavras de Gustavo Binenbojm: “Com efeito, a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema única, nem se reduz a um tipo específico de forma jurídica – a lei formal. Essa vinculação, ao revés, dá-se em relação ao ordenamento jurídico como uma unidade (Constituição, leis, regulamentos gerais, regulamentos setoriais), expressando-se em diferentes graus e distintos tipos de normas , conforme a disciplina estabelecida na matriz constitucional. A vinculação da Administração não se circunscreve, portanto, à lei formal, mas a esse bloco de legalidade (o ordenamento jurídico como um todo sistêmico), a que aludia Hariou, que encontra melhor enunciação, para os dias de hoje, no que Merkl chamou de princípio da juridicidade administrativa .” (BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 140-141). 13 Seguindo esta linha, Humberto Ávila sustenta: “rigorosamente, um princípio jurídico ou norma-prin- cípio: – conceitualmente ele não é uma norma-princípio: ele possui apenas um grau normal de aplicação, sem qualquer referência às possibilidades normativas e concretas; – normativamente ele não é uma norma- -princípio: ele não pode ser descrito como um princípio jurídico-constitucional imanente; – ele não pode conceitualmente e normativamente descrever uma relação de supremacia: se a discussão é sobre a função administrativa, não pode ‘o’ interesse público (ou os interesses públicos), sob o ângulo da atividade ad- ministrativa, ser descrito separadamente dos interesses privados. As ponderações feitas tornam também claro que este ‘princípio’ não pode ser havido como um postulado explicativo do Direito Administrativo: – ele não pode ser descrito separada ou contrapostamente aos interesses privados: os interesses privados consistem em uma parte do interesse público; – ele não pode ser descrito sem referência a uma situação concreta e, sendo assim, em vez de um ‘princípio abstrato de supremacia’ teríamos ‘regras condicionais concretas de prevalência’ (variáveis segundo o contexto). Dessa discussão orientada pela teoria geral do Direito e pela Constituição decorrem duas importantes consequências. Primeira: não há uma norma-prin- cípio da supremacia do interesse público sobre o particular no Direito brasileiro. A administração não pode exigir um comportamento do particular (ou direcionar a interpretação das regras existentes) com base nesse ‘princípio’. Aí incluem-se quaisquer atividades administrativas, sobretudo aquelas que impõem restrições ou obrigações aos particulares. Segundo: a única ideia apta a explicar a relação entre interesses públicos e particulares, ou entre o Estado e o cidadão, é o sugerido postulado da unidade da reciprocida- de de interesses, o qual implica uma principal ponderação entre interesses reciprocamente relacionados (interligados) fundamentada na sistematização das normas constitucionais. Como isso deve ser feito, é assunto para outra oportunidade.” (ÁVILA, Humberto. Repensando o “Princípio da Supremacia do Inte-
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