Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
155 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 143-163, Mai.-Ago. 2022 realizou tal mutação? A resposta está no fato de que todo o fenô- meno da interpretação e aplicação da Constituição pelo Poder Judiciário implica um problema de legitimidade democrática, es- pecialmente delicado quando se trata do controle de constitucio- nalidade das leis. 27 De fato, não é simples admitir publicamente – extrapolando o universo dos operadores do Direito – que o Ju- diciário participa do processo de construção das normas, inclusi- ve constitucionais, retirando parte do tradicional papel atribuído ao Poder Legislativo pelo princípio da separação de poderes. Por consciência das implicações sensíveis de tal método informal de atualização constitucional é que as cortes constitu- cionais, quando a realizam, não explicitam a mudança de atitude ou a derivação do intérprete para novos argumentos jurídicos, ao contrário, costumam apontar para a continuidade interpreta- tiva de todas as normas, 28 como aliás se viu no voto do ministro Luiz Fux antes referido. Há, pois, uma questão importante sobre a legitimidade democrática desse papel dos tribunais. Todavia, afastando uma primeira resposta negativa que intuitivamen- te ressalta do senso comum, podemos admitir que a mutação constitucional “silenciosa” ou “tácita” é, muitas das vezes, mais democrática que a reforma formal do texto constitucional. To- mando a referência à abertura do processo de interpretação cons- titucional indicado por Peter Häberle no sentido de que “todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos” estão envolvidos no processo de interpretação cons- titucional, 29 seria possível concluir, com Celso Ribeiro Bastos e Samantha Meyer-Pflug, que “não é apenas uma minoria, repre- sentante da sociedade, que irá deliberar sobre a mutação do texto constitucional, mas sim uma grande parcela da população.” 30 Em sentido similar, o professor Juarez Freitas afirma que “a reforma 27 BRITO, Miguel Nogueira de. Originalismo e Interpretação Constitucional, in SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação Constitucional, 1ª ed., 2ª tir., 2007, p. 59. 28 CALLEJÓN, María Luisa Balaguer. Interpretación de la Constitución y Ordenamiento Jurídico, Madrid: Tec- nos, 1997, p. 34. 29 HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional, Trad. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1997, p. 13. 30 Op. cit. , p. 163.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz