Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
154 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 143-163, Mai.-Ago. 2022 fra prejuízos em razão da atuação estatal, voltada ao benefício do grupo social (repartição de encargos públicos). Ainda que todos respondam pelo prejuízo causado a uma pessoa individualizada, a futura projeção desse prejuízo sobre cada um de nós demonstra o caráter protetivo da norma. E a verdade é que a responsabili- dade subjetiva por omissões já não protegia suficientemente o cidadão diante dos riscos da atividade administrativa. Do ponto de vista léxico, o dispositivo constitucional não menciona ações, mas simples causa, daí a possibilidade que a mutação permite de inserção da distinção da causa entre atos co- missivos e atos omissivos, superando a vetusta discussão sobre causa e condição, pois o Direito trata com ficções, não importan- do se, do ponto de vista da Física, a omissão não produza um resultado. De outro lado, não há nenhuma definição expressa de que as omissões seriam regidas pela teoria da culpa, foi justa- mente a sua ausência expressa no texto que levou a essa constru- ção, como demonstrado. De um modo geral, a doutrina reconhece que, quanto mais distante se encontra o fenômeno da interpretação/aplicação da norma, menor o vínculo que se estabelece com a mens legislato- ris . 25 Mas os cuidados acima indicados são relevantes para evitar que a mutação constitucional se transforme naquilo que se po- deria denominar de “manipulação constitucional”, caracterizada pelo uso da Constituição em proveito particular, mediante a prá- tica de um ardil, artifício ou manobra retórica. 26 6. Mas se se trata de um fenômeno natural às Constituições escritas, se a mutação traz o benefício de atualização dos dispo- sitivos normativos da Constituição para as novas realidades de- safiadoras, se hoje não mais predomina a compreensão de que o juiz descobre o direito no texto normativo, e sim participa da criação de sentido da norma a partir desse texto e do exame dos fatos, então por que motivo o STF não admitiu ou expressou que 25 ORTEGA, Manuel Segura. Sobre la Interpretación del Derecho. Santiago de Compostela: Universidad de Santiago de Compostela, 2003, p. 70. 26 SAGÜÉS, Néstor Pedro. La Interpretación Judicial de la Constitución, 2ª ed., Buenos Aires: LexisNexis, 2006, p. 166.
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