Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

151  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 143-163, Mai.-Ago. 2022  ção de 1946, 18 nos art. 105 da Carta de 1967 e art. 107 com a EC nº 1/69, todos reconhecidamente configuradores da teoria do risco administrativo, estabelecendo a responsabilidade objetiva do Es- tado. A grande novidade estabelecida pelo constituinte de 1988 residia, é consenso, na previsão da extensão da responsabilidade civil objetiva às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Para entender o processo construtivo efetuado pelo Supre- mo Tribunal Federal, é preciso reconhecer que, historicamente, o tema da responsabilidade civil do Estado tem sido resolvido a partir da utilização do denominado argumento “ a contrario ”. O professor da Universidade de Gênova Riccardo Guastini explica que o uso dessa argumentação permite chegar a duas posições opostas: 19 ou o legislador (constituinte, no nosso caso) não dei- xou qualquer lacuna, pois quis implicitamente o contrário do que não foi explicitado, ou ele de fato deixou o tema sob uma lacuna, e o argumento serve para explicitar tal situação, devendo o intér- prete procurar meios de sua colmatação. Um exame apurado dos textos legais e constitucionais, desde o art. 15 do Código Civil de 1916, irá demonstrar que jamais houve redação explícita sobre a presença ou ausência da culpa na responsabilização do Estado. De fato, além da questão mencionada sobre as pessoas jurí- dicas de direito privado prestadoras de serviço público, a grande diferença redacional entre o art. 194 da Constituição de 1946 e o art. 37, § 6º, da Constituição de 1988 está na divisão dos enuncia- dos normativos, em que a questão do regresso contra o servidor público por culpa ou dolo consta do parágrafo único do disposi- tivo da primeira Constituição. Naquela época, entendeu-se, como agora, que a ausência de referência à culpa ou dolo no enuncia- do que tratava da responsabilidade do Estado implicava na ab- sorção da teoria do risco administrativo. Assim, o argumento a contrario fora utilizado para evitar uma lacuna. Mas, no que se 18 Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. 19 Estudios sobre la Interpretación Jurídica , Trad. Marina Gascón e Miguel Carbonell, 7ª ed., Ciudad de Mé- xico: Porrua/UNAM, 2006, p. 28-30.

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