Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022

144  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 143-163, Mai.-Ago. 2022  A lembrança das tragédias que com alguma regularida- de atingem a região serrana do Estado do Rio de Janeiro nos transporta para as chuvas do dia 05 de fevereiro de 1988, oca- sião em que teriam sido ceifadas as vidas de até 171 pessoas. 3 Naquele ano, em pleno curso do processo constituinte, o jornal O Globo de 11 de fevereiro mencionava anúncio de recursos federais para construção de um túnel para escoamento do Rio Quitandinha, assim como o Ministro do Interior alertava o en- tão presidente José Sarney sobre a necessidade de alteração da lei sobre uso e ocupação do solo em Petrópolis, sob pena de novas tragédias. Muita coisa mudou no país, no Estado e na cidade nesse intervalo, mas muitas coisas persistem. É assim com tudo na vida. Esta intervenção no debate sobre as tragédias em Petró- polis não tem por objetivo tratar da responsabilidade pessoal de gestores públicos, seja no âmbito político, criminal ou da impro- bidade administrativa. Nosso objetivo será fornecer um breve panorama do Estado como causador de desastres ambientais (dano ambiental e dano causado a partir do dano ambiental) e do Estado como infrator do dever de impedir o resultado danoso (responsabilidade por omissão), com especial atenção ao modo como se construiu o sistema de responsabilização a partir da in- terpretação constitucional, de modo a permitir a conscientização do papel do intérprete, especialmente o juiz, na formulação das normas jurídicas. Serve de norte a essa intervenção a lúcida crítica ao ensino jurídico no Brasil formulada pelo professor da UnB Marcus Faro de Castro, para quem: a) existe um descolamento entre o intelec- to do jurista e a realidade social, dada sua complexidade; b) há uma dificuldade de avaliar de maneira responsável as políticas públicas; c) a orientação intelectual dos juristas é voltada para a preservação da ordem posta, sem criticá-la ou reformá-la. 4 3 Os dados recentemente publicados são conflitantes. Jornais de Petrópolis indicam “apenas” 134 mortos, mas uma consulta aos arquivos do jornal O Globo permite concluir pelo número indicado no texto. Naque- la ocasião, porém, houve prolongamento das chuvas pelos dias seguintes. 4 Formas Jurídicas e Mudança Social : Interações entre o Direito, a Filosofia, a Política e a Economia, São Paulo: Saraiva, 2012, prefácio.

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