Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 87-119, Mai.-Ago. 2022 103 É irrazoável cogitar que os aperfeiçoamentos da ciência médica poderiam pesar como falhas de mercado e deveriam ser afastados do rol de direitos caso sua efetivação pudesse desesta- bilizar economicamente uma operadora de saúde ou incrementar a sinistralidade dos contratos. Se há aumento de custos, devem ser repartidos com os players de mercado que auferem lucro com a atividade, como é o caso de estabelecimentos de saúde e profis- sionais. Seja como for, não se pode carrear à parte vulnerável da relação jurídica a repartição de perdas ou a renúncia a direitos. Pensar dessa forma mecanicamente reducionista equiva- le a dizer que ao lado de tudo que se concebeu acerca da função social do contrato passasse a gravitar um novo instituto, a ser chamado de “função econômico-social do contrato” ou “fun- ção eficiente do contrato”, o que é absolutamente inimaginá- vel. Conforme se sabe, existe autorização legal para relativizar a autonomia privada por meio da incidência da cláusula geral da função social dos contratos ou de outros influxos relaciona- dos à principiologia regente da matéria 16 quando se verifique a necessidade de fazer com que os contratos cumpram uma função entre os convenentes e também uma função pública, em prol da coletividade, a exemplo do que ocorre com a criação de empregos, a democratização de acesso a bens, a proteção do meio ambiente etc. A funcionalização, portanto, é conceito que se extrai do próprio ordenamento jurídico e se funda na eticidade que deve promanar das relações interpessoais, no interesse público e em tudo o mais que possa traduzir a realização do bem comum. É, com efeito, uma função social para o bem daqueles que precisam do contrato, que dependem do pacto, que fruem direitos, experi- mentam riscos, desvantagens e vulnerabilidades — e não para o bem daqueles que auferem lucro com a exploração da atividade. Nessa ordem de ideias, na esteira do magistério de Carlos Roberto Gonçalves, in verbis : 16 Nesse sentido, é o que prevê o Código Civil : “Art. 2.035. (...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevale- cerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.”.
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