Revista da EMERJ - V. 24 - N. 2 - Maio/Agosto - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 2, p. 87-119, Mai.-Ago. 2022 102 Situação diversa seria se a norma especial previsse que a codi- ficação consumerista tivesse aplicação supletiva. Nesse caso, o Código de Defesa do Consumidor somente poderia agir colma- tando lacuna existente na norma especial e nos limites do que fosse necessário ao saneamento. É de se questionar, então, se numcenário de efetivação de um direito social essencial, amparado por todas as normas e princípios do sistema de defesa do consumidor, é possível engendrar um percurso argumentativo fundado no discurso consequencialista que é próprio da Escola de Chicago, adotando como razões de decidir o funcionamento de variáveis e engrenagens em meio ao impacto da efetivação de direitos humanos fundamentais. Aresposta há de ser negativa. Não é possível conceber o equa- cionamento de perdas e ganhos ou custos e benefícios como parte de uma operação racional de alocação eficiente de recursos que atri- bua mais valor a um balanço atuarial do que a uma vida humana. Não se está aqui a sustentar que os princípios e as práticas fundantes da doutrina da Análise Econômica do Direito a nada se prestam. É certo que têm seu lugar em relações patrimoniais, falimentares, concorrenciais ou que versem sobre previdência privada, por exemplo. Até mesmo não se descartam ensina- mentos de Chicago em matéria de direitos sociais instrumentais (como a moradia, o transporte e o lazer, por exemplo). Mas de todos os valores integrantes do elenco de direitos sociais do art. 6º da Constituição da República, a saúde é um que efetivamente dialoga com as urgências da vida e da dignidade, por vezes mais do que qualquer outro. E aqui não há como sustentar a aplicação de lições de Análise Econômica do Direito, pois não pode haver um equilíbrio econômico-financeiro entre o bem-estar coletivo máximo com o mínimo de recursos e a dor individual, ou uma busca por eficiência ao arrepio do risco de morte. Não por outra razão, a via decisória que reconhece o cará- ter enunciativo do rol de procedimentos em saúde preconiza em favor do indivíduo uma proteção contratual que vai além dos limites da própria avença.
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