Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022 91 O fato de a idade servir de baliza para uma cidadania me- nor (ou a ausência dela) reflete a perspectiva de uma sociedade construída sobre desigualdades e abismos relacionais. Por isso, não constitui surpresa que parte destes infantes reajam. Sejam eles denominados carentes, em conflito com a lei ou simplesmente re- beldes – quando pertencentes às classes média e alta –, suas ações estão sempre na contramão do sistema, testando seus limites. Por sua vez, a solução encontrada pelo Estado para conter o avanço das transgressões promovidas foi a institucionalização. Através dela efetuava-se, de forma coercitiva, a “ressocializa- ção” dos transgressores – entenda-se, majoritariamente daqueles que eram pobres. Tais medidas – chamadas de socioeducativas, porém eivadas de condutas punitivas – compunham mais uma etapa da vitimação menorista, tornando essa infância – desinves- tida e mal cuidada – cada vez mais judicializada e sujeitada. IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pensar as transformações ocorridas nas famílias implica em entender como se dá o processo de regulamentação e nor- matização social. Importa refletir a quem interessa esse sistema e de que maneira sua viabilização interfere na organização social, mas, principalmente, como essa estrutura interfere na produção de subjetividades e delimita os papéis sociais vigentes. Esmiuçando essas relações, vemos o surgimento de uma infância transgressora que resiste às normatizações impostas, ul- trapassando os parâmetros instituídos, distendendo seus limites e problematizando a conjuntura na qual se inscreve. Em contra- partida a esse fenômeno, encontramos cada vez mais um proces- so de judicialização das famílias, envolvendo a eventual perda de autonomia destas com o aumento da ingerência do Estado na sua vida cotidiana. Sob essas circunstâncias, duas perspecti- vas distintas, aparentemente antagônicas – a submissão e a insu- bordinação aos critérios legais –, interagem de mãos dadas: uma aceitando a intervenção do Estado, e a outra reagindo contra os paradigmas por ele impostos.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz