Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022 85 demandas que dizem respeito a questões de eficácia de suas de- cisões, eficiência e acessibilidade ao sistema judicial. A segunda diz respeito a um posicionamento de caráter jurídico-ideológico que infere não ser tarefa do Judiciário a resolução de tais confli- tos, não cabendo a ele tomar decisões sobre a vida civil de seus jurisdicionados. Já a terceira, ligada a uma concepção político- -ideológica, entende que a judicialização dos conflitos sociais frustra a possibilidade de desenvolvimento das lutas populares pela reivindicação de direitos (ESTEVES, 2003). Seja qual for a concepção aventada, o sucesso da Justiça é inversamente propor- cional ao descrédito que afeta as instituições políticas clássicas causadas pela crise de desinteresse e perda do espírito público. No Brasil, é a partir da última década do século XX que o Judiciário emerge enquanto instituição de proteção das famílias, não apenas sistematizando e regulamentando regras para seu en- quadramento e organização, mas estabelecendo garantias para a sua sobrevivência. Ele permite, com suas leis e jurisprudências, a construção de parâmetros que delimitam a área de atuação e responsabilização dessas famílias, moldando a sociedade a partir de suas bases, colocando-se como árbitro supremo das questões suscitadas por sua própria interferência. E, ao fazê-lo, ele tutela e decide o futuro dessas famílias, em um exercício de micropoderes que, silenciosamente, reinventa formas de dominação, sem dei- xar de oferecer oportunidade para novas possibilidades de vida (FOUCAULT, 2008, op. cit.). Enfim, ele passa a gerenciar e nego- ciar os conflitos oriundos do universo das relações familiares. Percebido como o guardião e garantia dos direitos civis, o Judiciário assume a função de proteção dos cidadãos. Entretanto, o fato de concentrar o poder de decisão sobre a vida privada des- tes se reflete na redução (considerável) da autonomia e do poder de ação e resolução individuais, já que, ao transferir a solução de seus problemas particulares à esfera jurídica, o sujeito delega seu poder decisório a esta. No tocante à infância, as leis regulamentadas através do Estatuto da Criança e do Adolescente constituem norteadores
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