Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022 82 demandas, a sociedade civil vem paulatinamente incorporando e desenvolvendo o hábito de entregar a solução de seus proble- mas à esfera judicial para que lhe ofereça possibilidades e lhe adiante saídas não encontradas nas dinâmicas do dia a dia. O problema ocorre quando situações a princípio banais e corriqueiras são direcionadas ao Judiciário como alternativa para solução de conflitos, tornando a judicialização uma práti- ca comum. Apresentando múltiplos atravessamentos no tecido social, esse hábito estabelece mecanismos de intervenções que afetam as relações instituídas. E, ao reestruturar as esferas de poder, acaba por interferir nas relações cotidianas. Esta experiência de “disseminação” da estrutura jurídica pode ser considerada como um “sintoma” das democracias anô- micas, colocando em xeque as estruturas formais que marcam as desigualdades sociais que as atravessam. Além de uma forma de proteção contra eventuais abusos, a judicialização “ocorre em função da escassez de políticas que assegurem a efetivação dos direitos de cidadania (...) [e] da cobrança pelo acesso aos servi- ços públicos, principalmente, de saúde, educação e assistência” (SIERRA, 2011, p. 260). Nesse sentido, a judicialização pode ser uma forma de vozes isoladas se fazerem ouvir. Por outro lado, a judicialização pode se constituir enquanto mecanismo de controle das relações sociais, exercida justamente pela instância que deveria assegurar a liberdade e os direitos ci- vis a todos. Esse processo pode ser percebido nas leis que regu- lamentam a concepção, os direitos e os deveres legais da família, mas principalmente nas formas pelas quais as famílias mais po- bres são afetadas, tornando-as alvo de controle e disciplinamen- to, ainda que sob a égide de proteção e cuidado. Apesar das dissonâncias quanto à importância ou ao ca- ráter da judicialização, esta vem se manifestando cada vez mais em nosso cotidiano. E uma das formas que mais a impulsiona é a gerência (e o controle) das relações familiares: O controle jurisdicional em conflitos familiares tem como norte princípios fundamentais de proteção à pessoa, à sua
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