Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022  80 a manutenção (ou transformação) de seus laços sociais. Através dele, também foram sistematizadas e regulamentadas regras de enquadramento e organização das famílias 4 . Os novos marcos legais nacionais e internacionais faci- litaram o acesso e a aproximação da esfera judiciária do seu público-alvo, porém não impedem que a justiça exerça um po- deroso processo de controle social. Processo esse que abarcará especialmente os mais carentes, que não contarão com supervi- são ou recursos – inclusive para se defenderem. De modo que os foros onde tais funções ocorrem – os Juizados 5 – passam a ser instância para o exercício desse poder. Isso porque, apesar de a propost a do ECA ser voltada para a proteção integral da crian- ça e do adolescente, constituindo-se enquanto marco regulató- rio dos direitos humanos de crianças e adolescentes, permanece em sua essência um viés autoritário de controle social. O recrudescimento da agenda de políticas públicas e o jogo de tensões e coalizões entre os mais diversos atores 6 es- tende e flexibiliza a atuação dos juizados (ROSEMBERG, 2010) , c onstruindo uma imagem do Judiciário defensor de direitos. Seja por medo ou respeito, essa imagem é assimilada pelo ima- ginário popular. Gradativamente, o Judiciário passa a repre- sentar um espaço de resolução de impasses e pendências, con- solidando-se para além da função autoritária e impositiva. A s leis e estatutos (do latim statutun , que significa “regulamento”, “sentença”, “aresto”) estabelecidos a fim de normatizar e regu- lar relações sociais desenvolvem, quando em excesso, o efeito reverso da dependência jurídica, propiciando o que se passou a chamar de judicialização . 4 Ao pressupor que todas as crianças e suas respectivas famílias estariam sob a tutela do Estado, o ECA supostamente não faria distinção entre elas, passando a ideia de uma igualdade entre classes. Entretanto, embora o conceito de universalidade seja limitado pelas condições econômicas dos envolvidos – o que torna muito mais fácil para as famílias mais pobres receberem sanções e punições – , a percepção de que a menoridade atingiria somente os desvalidados é modificada. 5 Lugar de disciplina e legalidade, dirigido por togados que arbitram sobre os destinos de outrem sob a pretensão de esstes não serem capazes de gerirem adequadamente suas existências e/ou romperem com as regras sociais vigentes, o juizado torna-se locus para aplicação da Justiça. 6 Aqui incluem-se as diversas agências multilaterais e fundações (nacionais e/ou internacionais) e, espe- cialmente, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

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