Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022  77 Seu maior feito foi promover uma distinção estratégica sobre as crianças: aquelas que possuíam algum suporte e eram reconhe- cidas enquanto tais e as que, não contando com essa sorte, eram designadas por meio de uma qualificação de inferioridade – os chamados “menores” 2 . Essa alusão à massa trabalhadora reforça- va a reprodução da força de trabalho e o aumento da produtivi- dade, mantendo inalterados os mecanismos de ascensão social e o status quo vigente, não interferindo nas relações sociais a ponto de impingir a jurisdicionalização da vida privada. O Código de Menores de 1927 ostentava um caráter dis- criminatório, que associava a pobreza à delinquência, encobrin- do as reais causas das dificuldades vividas por esse público – a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Isso porque a normatização que apresentava era sobretudo dire- cionada aos mais pobres, regulamentando condutas e procedi- mentos para conter comportamentos desviantes e a “desordem” que estes promoviam. Funcionava como instrumento de contro- le, transferindo para o Estado a tutela dos “menores inadapta- dos”, justificando a ação dos aparelhos repressivos. As crianças às quais se dirigia – consideradas “menores”, inaptas ao conví- vio em sociedade – eram suscetíveis às medidas punitivas esta- belecidas, pois fugiam ao ordenamento social 3 .  Todavia, em permanente transformação, a sociedade passa a exigir a (alguns de) seus membros novas medidas de controle e adequação. Em 1940 o Brasil aprovou um Código Penal que firmava uma nova concepção de menoridade, arbitrando a idade de 18 anos para a entrada na vida adulta. Ressalvando-se as exceções, a maioridade – condição na qual o sujeito passa a responder (e a ser cobrado) por seus atos – passou a ser atingida após essa data. 2 A criança, compreendida como ser em desenvolvimento, torna-se o foco da atenção e investimento da so- ciedade – a própria nomenclatura indica isso, já que a raiz etimológica do nome criança denota criação, fazer crescer. Já o menor é aquele que enfrenta em seu cotidiano a dicotomia entre subsistir na vadiagem ou nas con- dições insalubres do trabalho que lhe é oferecido – em ambos os casos, fora do controle da família (ibidem). 3 Consideradas “abandonadas”, “carentes” ou “infratoras”, as crianças que pertenciam a esse segmento da população eram, na verdade, vítimas da falta de proteção do Estado. A estas eram impostas vigilância e punição à guisa de disciplina e proteção (FOUCAULT, 2014).

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