Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022 75 enquanto “adultos em formação” fornece uma ideia de “incom- pletude” (de ordem física ou racional) que remete à falta de in- dependência e responsabilidade das mesmas (HENICK, 2005). Uma vez que não seriam capazes de se autogerirem, as crianças estariam propícias à intervenção alheia – o que as classificaria como “inferiores”, não lhes facultando integrar o rol de direitos e deveres atribuídos aos cidadãos comuns. Ao longo da história, a noção de infância e menoridade so- freu diversas transformações. O Brasil não foi indiferente a tais transmutações. Durante o período colonial e boa parte do imperial, pre- dominou a visão medieval de que crianças e adultos se diferen- ciariam basicamente pelo tamanho, de modo que, tão logo as crianças apresentassem certa independência física, eram imedia- tamente integradas na rede laboral , pois contava-se que contri- buíssem para o sustento da família e da sociedade. Aquelas que não encontrassem um lugar de pertencimento ou acolhida eram abandonadas à própria sorte, em becos, lixeiras, nas portas de outras famílias, igrejas. A proteção da infância não era função do Estado, restrin- gindo-se às instituições filantrópicas e a Roda dos Expostos – que receberia infantes enjeitados e os treinaria para alguma função útil ao capital. A ideia de que se deveria ter maior cuidado com as crianças surge com o avanço das ideias iluministas e cientifi- cistas, mas somente no início do século XX o Estado brasileiro implementa políticas públicas visando resguardá-las. Como, à época, o pátrio poder imperante era impermeável às orientações quanto às providências básicas de saúde e higiene, as superstições grassavam, e a incidência de epidemias era alta, ocasionando uma elevada taxa de mortalidade infantil. Aqueles que escapavam muitas vezes acabavam por engrossar as estatís- ticas da criminalidade, pouco ou nada contribuindo para o cres- cimento econômico do país. Todavia, quando os processos sociais e econômicos que sustentam e consolidam o capitalismo são colocados em risco,
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