Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022  73 mente monitorada – retira dela a sua autonomia, fazendo com que ser criança não corresponda necessariamente a ser cidadão . E embora, nos últimos 50 anos, tenha havido um progressivo mo- vimento visando à proteção das crianças, estas essas ainda não se encontram investidas das prerrogativas atribuídas à cidadania. No entanto, uma vez que a infância sempre esteve à mar- gem da sociedade, muito mais fácil se torna intervir no âmago das suas relações mais básicas. Tal procedimento acaba por justificar a delegação do seu poder decisório a terceiros – o Judiciário, por exemplo –, despotencializando-a enquanto população cidadã. Sob essa perspectiva, tornou-se recorrente responsabilizar crianças e/ou adolescentes pelo aumento da criminalidade, ol- vidando que não lhes é dado o direito ao exercício da cidadania. Por outro lado, o excessivo patrulhamento ao qual estes estão sujeitos acaba por constituir uma faca de dois gumes, simulta- neamente os responsabilizando e culpabilizando, jogando para a esfera do Judiciário a ingrata tarefa de responder pelo seu bem- -estar e suas eventuais penalidades. De fato, ao assumir o papel de resolver demandas corriquei- ras do dia a dia, a instância judicial acaba por intervir na função educativa das famílias, incentivando a institucionalização das vi- vências mais íntimas e pessoais. Uma consequência que assoma um problema estrutural constantemente ignorado e pouco reco- nhecido, obliterando a visão sobre todo o processo histórico da construção da infância diante do sistema capitalista de produção. Entretanto a falta de um empenho maior para pensar as questões recorrentes e se chegar à raiz do problema acaba por responsabilizar sempre quem se encontra flanqueando a socie- dade, aqueles que por um motivo ou outro não desempenham uma função ativa ou produtiva. E, nesse caso, quem estaria mais à margem do que as crianças? Sob tais circunstâncias, a transfor- mação do infante em transgressor representa um pequeno de- grau, de fácil e frequente transposição. O consistente processo de judicialização que vem se ins- titucionalizando ao longo da história, permeando e (des)qua-

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