Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 71-94, Jan.-Abr. 2022 72 sively transformed, becoming more and more subject to legal ac- tions and in breach of the established rules. KEYWORDS: Adolescence. Childhood. Judiciary. Transgression INTRODUÇÃO A explosão da violência dos dias atuais tem acarretado um debate acirrado acerca da maioridade penal, tornando cada vez mais presente (e aceitável) a judicialização da vida privada. Em vista da importância do tema, este trabalho obje- tiva lançar luz sobre alguns aspectos socioculturais que con- tribuem para a percepção da infância como transgressora e incentivam a institucionalização jurídica das vivências mais íntimas e pessoais. A concepção de infância e o modo pelo qual ela se constitui revela como a sociedade se estrutura e concebe seu futuro. No Brasil, ao longo de seu ordenamento institucional, ela vem sendo sutil e sistematicamente judicializada, concebida como natural- mente incapaz e, eventualmente, infratora. Tal compreensão des- dobra-se nas intercorrências do cotidiano, influindo diretamente no exercício da vida privada e afetando a percepção de direitos e deveres dos indivíduos. Considerando que a infância constitui uma etapa da vida dos seres humanos marcada predominantemente pela depen- dência, ela é compreendida enquanto uma fase inacabada da evolução humana. Necessita, assim, de acompanhamento e cui- dado, não sendo facultado aos seus membros o direito de opinar ou decidir sobre suas vidas ou de exercerem plenamente seus di- reitos. Sendo um período de desenvolvimento e aprendizagem, ela ocupa o locus de investimento, o que a torna, sob a perspecti- va do capital, um estágio de latência, improdutivo. Esta ideia de incompletude da infância 1 – alegadamente uma etapa formativa do ser humano que precisa ser constante- 1 Reporto-me aqui ao conceito de infância desenvolvido pela Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança elaborado no tratado de direitos humanos mais amplamente ratificado da história (ONU, Con- venção dos Direitos da Criança , UNICEF, 20 de nov de 1989). Tratado esse ratificado pelo governo brasileiro em 24 de novembro de 1990.
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