Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 49-70, Jan.-Abr. 2022  59 da prova. Situações como a supervaloração de uma prova em de- trimento de outras; a subvalorização de uma prova em proveito de outras; bem como a utilização desenfreada de provas atípicas que apontam para uma visão unitária do dever judiciário ( weapon fo- cus ), afastando retoricamente a responsividade do juiz 22 . Aproblemática suscitada tem endereço dogmático: a super- vivência do formalismo jurídico implica o reducionismo dos ins- titutos do direito probatório a regras legais, deixando assentado um procedimento em fases intocáveis, porém sem desenvolver as premissas do raciocínio probatório. A matéria do raciocínio probatório não é novidade, contudo, é necessário avistar as im- posições da Constituição e do projeto de justiça civil, deixando de lado o arquétipo legicentrado e estatalista de outrora 23 – final- mente, mantendo um diálogo transdisciplinar com a epistemo- logia e com a abertura do sistema em direção ao processo justo. 3 A VALORAÇÃO DA PROVA NO CONTEXTO DA INCER- TEZA (NÃO PRESUNTIVISMO) O juiz não é o destinatário final da prova – como se ele pudesse não admitir uma prova ao alegar que já estaria “conven- cido”, em uma clara mistura entre os planos da produção/admis- são e da valoração da prova . O art. 77, I, do CPC, implica o dever de as partes exporem os fatos em juízo conforme a verdade 24 ; o 22 A subvaloração, a supervaloração e o abuso de discrição são espécies de valoração implícita da prova. “A valoração implícita da prova também pode se dar quando há uma valoração unilateral da prova pelo decision-maker . Pela (nociva) prática, o juiz justifica seu convencimento sobre os fatos fazendo referência somente aos elementos de prova que sustentam sua conclusão, sem trazer qualquer noção a respeito de outros elementos de prova que poderiam contrastar a decisão por ele assumida. Em outros termos, ocorre valoração implícita também quando só são analisadas provas que justifiquem o entendimento adotado, o que implica uma fundamentação incompleta da decisão, à qual faltará a dimensão crítica e dialética natu- ral do próprio ato de valorar os elementos de prova trazidos por cada uma das partes opostas”. AUILO, Rafael Stefanini. A valoração judicial da prova no direito brasileiro . Salvador: JusPodivm, 2021, p. 69. 23 CASTRO, Cássio Benvenutti de. Ônus da prova (função e natureza jurídica). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018, nota do autor. Sobre a superação do Estado de direito legislativo pelo Estado Constitucional e a pulverização do legicentrismo , ver ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil (ley, derechos, justicia). Trad. Marina Gascón. Madrid: Editorial Trotta, p. 33 e seguintes. 24 “É verdade que um dever absoluto de dizer a verdade poderia produzir resultados danosos, já que parece necessária a configuração de derrogações, exceções e limitações na aplicação concreta desse dever. Todavia, mesmo as atenuações práticas de tal dever não são outra coisa senão a confirmação de sua exis- tência, ou seja, a necessidade de que qualquer sistema ético inclua o dever de verdade entre os seus valores fundamentais. Seria, por outro lado, inconcebível (e, igualmente, inaceitável) um sistema <moral> que não distinguisse a verdade da mentira, ou mesmo que legitimasse expressamente a falsidade, fazendo, assim,

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