Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

187  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022  na também é. Há um terrível e cruel paradoxo: se é possível sa- crificar um animal (dito irracional) por compaixão, quando, por qualquer motivo, este tem sua existência presente ou futura limi- tada, por acreditar ser cruel vê-lo sofrer (e não fazemos isso a seu pedido, respeitando sua vontade), por que não podemos fazer o mesmo em relação à pessoa humana, respeitando a sua vontade manifesta ou mesmo quando esta deixou de ter (ou nunca teve) esta capacidade? Uma das piores formas de tortura empregada pelo homem – em seus embates e conflitos armados – é exatamente causar dor e sofrimento nos limites do suportável, impedindo o próprio alí- vio que se constituiria na morte. Como explicar, então, que, atra- vés de súplicas plenamente conscientes, possamos negar o alívio do sofrimento daquele que, por qualquer razão, não disponha de meios autônomos de dar fim a sua própria existência? O direito à vida é um patrimônio individual; não pertence a quem nos deu ou concedeu, porque se assim não fosse nada teria sido dado ou concedido, e o homem não seria dono de seu próprio destino, desafiando o direito ao livre-arbítrio. A vida individual também não pertence à humanidade; ao contrário, o homem tem, inclusive, o direito de não fazer parte (ou mesmo deixar de fazer parte) da própria humanidade, em face de seu sagrado direito ao livre-arbítrio. Assim, o direito à morte digna origina-se da ideia de que o titular da vida deve gozá-la segundo seus valores, concepções, crenças ou não crenças e, nesse caso, envolve a personalidade do enfermo, o modo que ele deseja morrer, preservando sua perso- nalidade e dando um coerente fim para sua vida. Urge que o Estado e a sociedade brasileiros finalmente possam amadurecer democraticamente, propiciando uma neces- sária evolução normativa que contemple o sublime respeito ao livre-arbítrio , elevando a dignidade humana ao patamar dos bens e direitos mais preciosos a serem protegidos pelo nosso Direito, fa- zendo, por fim, com que mais nenhum ser humano (apenas por ostentar a condição de brasileiro e se encontrar em solo pátrio)

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