Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
186 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Disseminou-se no Ocidente a ideia de que a vida pertence à humanidade, que seria eterna (conjugada na célebre frase: a espe- rança é a última que morre ), o que reforça a concepção filosófica de que a vida não nos pertence. Estabeleceu-se também a ideia de que a raça humana é a única existente no universo (uma espécie de semente sagrada), o que leva a pensar que, caso houvesse uma raça superior à que chamamos de humana, não teria sentido a pre- servação desta última, pois ela seria a própria evolução a Deus. Na tradição filosófica ocidental, como afirma Agamben (2006), o homem representa uma ruptura do continuum natural. Como animal falante, habita a clareira em que se abre toda sig- nificação, todo dizer; como mortal, encontra sua dimensão mais autêntica na antecipação de sua própria impossibilidade radical. Questionar o lugar e a estrutura dessa negatividade constitutiva é ponto de partida para uma compreensão da relação essencial estabelecida entre morte e vida. Como não estamos em uma Teocracia, e o Estado é laico, não há como logicamente sustentar a tese de que ninguém teria o direito de dispor da própria vida, posto que se supusermos que só Deus tem este direito, só Deus também teria o direito de escolher, entre suas criaturas, aquela que governaria outros ho- mens, o que seria uma antítese da democracia, em que os pró- prios homens escolhem seus governantes. Assim, como ninguém pode ser condenado a morrer, não pode ser condenado a viver. Não é lícito a ninguém condenar outrem a viver uma existên- cia sem sentido. Como bem disse Stephen Hawking, “(...) manter uma pessoa viva contra a sua vontade é uma indignidade ” (Globo, 04/06/2015, p. 24). O direito à vida é um direito fundamental, mas não se re- veste de um caráter absoluto. Nenhum direito o é ou pode ser assim considerado. O direito à vida pertence a cada um de nós (é um bem individual), não ao Estado, nem à Sociedade. Ele, o Estado ou a sociedade não podem impedir o exercício ou não de tal direito, que é um bem precioso, como o direito à morte dig-
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz