Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
183 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022 É importante esclarecer que não se trata, a hipótese verten- te, de conduta típica não passível de punição em face do evento morte (do agente), posto que não se discute in casu a caracteri- zação de uma das causas de exclusão da punibilidade (art. 107, I, do CP), como ainda resta indiscutível que o suicídio, em sua modalidade de simples tentativa, é conduta atípica. O que se deve afirmar é que o direito à vida é, acima de tudo, um verdadeiro “patrimônio individual” não pertencen- te a quem nos deu ou concedeu, até porque, do contrário, a conclusão lógica seria que nada foi dado ou concedido, e o gênero humano, em última análise, não seria senhor do seu próprio destino, em sinérgica negação ao seu supremo direi- to de liberdade e em sublime e inexorável revogação de seu livre-arbítrio e ao correspondente conceito político-jurídico intrinsecamente associado. O direito à dignidade é tema inconteste e recorrente em inúmeros ensaios jurídico-doutrinários, mas muito pouco se fala e se escreve sobre o igualmente inquestionável direito à digni- dade na morte, caracterizando este como um verdadeiro tabu, como se tal evento humano simplesmente inexistisse, não obs- tante constitua-se em um inevitável evento futuro, ainda que de razoável imprecisão temporal. De um modo geral, as mais diversas religiões e, em grande medida, parcela expressiva da sociedade insistem em recusar o necessário debate sobre o assunto, preferindo, no livre-arbítrio do exercício volitivo de simplesmente ignorá-lo, focar todas as atenções na temática relativa à vida e, particularmente, em tudo o que concerne à dignidade na vida, qualificando-a como um suposto e exclusivo direito inalienável. O resultado prático desse evidente equívoco é desastroso, como não poderia deixar de ser, na exata medida em que sofre- mos desnecessariamente e, em certo aspecto, até mesmo cruel- mente num evento (a morte) que, a toda evidência, deveria ser encarada com a mesma importância e naturalidade que é con- cedida à vida.
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