Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
181 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022 Assim, o direito à vida, como regramento de genuína pro- teção individual, nessa linha de análise, somente pode ser her- meneuticamente interpretado se o próprio destinatário for o seu exclusivo titular, senhor único de seu destino, até porque, no Es- tado laico, não pode a sociedade substituir o Criador, outorgan- do para si, sem qualquer prévia legitimidade, algo que jamais acontecerá, o direito de decidir, em última instância, sobre a vida e a morte de cada indivíduo (e sobre a subjetividade inerente à percepção da existência digna), mormente quando tais elemen- tos não possuem qualquer relação direta com outros componen- tes sócio-humanos. 4. O DIREITO À MORTE ASSISTIDA A título de ilustração, há algum tempo (a fonte não vem ao caso, porque não se trata de uma pesquisa), este articulista foi ouvinte de um relato, cujo interlocutor confidenciou ter expe- rimentado, por determinação inexorável do destino, o mais im- portante desafio que um homem pode ousar imaginar: o dilema entre o amor e a consciência da legalidade; entre o justo e o legal; entre o humano e o poder estatal. Tal narrativa era sobre o sofrimento de sua companheira, que, “incapacitada no leito do hospital, com um câncer incurável que já havia retirado sua própria dignidade” e sentindo dores insuportáveis, implorava-lhe não propriamente pela prática da eutanásia (ou pelo sagrado direito de morrer com ummínimo de dignidade), mas, sobretudo, pelo respeito a seu bemmais precio- so: seu livre-arbítrio. Em tom de confidência, o emissor expõe que ela implora- va pelo respeito ao seu último desejo, que era uma morte digna e abreviada. Súplica, que não foi satisfeita, continua o narra- dor, “por absoluta covardia, comodidade e medo das consequ- ências legais de um ato sublime de amor.” E que o dilema entre o humano e o legal passou a “dilacerá-lo ainda mais, subjeti- vamente”, quando ela disse, com dificuldade: “Eu te perdoo, apesar de tudo”.
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