Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

179  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022  Por efeito consequente, o dúplice questionamento, e sua natural interdependência, colocam-se, inicialmente de forma ori- ginária e antecedente (o destinatário primeiro da normatividade, ou seja, o detentor do bem tutelado) e, posteriormente, de forma subsequente e explicativa (a razão fundamental, de índole pre- servativa, do bem tutelado). A resposta à primeira indagação parece evidente e in- controversa: o destinatário primeiro (e, talvez, único) e deten- tor do bem tutelado (vida) seria o homem ou, em termos mais técnicos, os integrantes da espécie humana. Excluir-se-ia, as- sim, os demais seres vivos (animais, vegetais e protozoários) que habitam o nosso mundo (ou, num espectro mais simples, o universo), o que explicaria porque é possível, à luz do Direi- to, sacrificar a vida de toda e qualquer espécie – e em qualquer quantidade ou proporção –, desde que tal fato não venha a prejudicar, de algum modo, a própria existência, presente ou futura, da vida humana. A lógica explicativa – resposta implícita à segunda inda- gação – estaria no fato de que apenas os integrantes da espécie humana (ou seja, o homem) possuem o atributo da consciência 16 (incluindo a denominada autoconsciência), constituindo-se, em última análise, no que convencionamos chamar de ser senciente (ou consciente e reflexivo de sua própria existência), enquadran- do-se, portanto, em uma categoria ímpar, ostentando a qualidade de único animal do planeta plenamente ciente da inerente tem- poralidade de sua existência e, destarte, do inevitável (e intrín- seco) fenômeno morte. Daí exatamente a necessidade humana de se criar concepções explicativas do universo e de sua própria existência através de mitos, da religião e da filosofia e, por fim, através da própria ciência. Não é por outromotivo que a doutrina tem sistematicamen- te advertido que nenhum dos direitos assegurados na Constitui- ção, mesmo aqueles que não podem ser afastados de nenhuma forma (disposições fixas) ou restritivamente através da denomi- 16 Do latim conscientia , atributo inerente e específico da espécie humana através do qual o homem rela- ciona-se, objetiva e subjetivamente, com o mundo (e, em escala maior, com o universo) e consigo mesmo.

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