Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
177 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022 pital, em uma despedida familiar lenta e, por vezes, dolorosa, em convivência desagradável com o abismo fúnebre, sem que pudesse, enfim, morrer e descansar em paz. Para muitos, tal si- tuação ofende a dignidade. No quadro narrado, surgiu, então, o direito de decidir sobre o próprio fim, quando este é iminente e inevitável, embora clinicamente adiável. A questão é o que fazer depois de receber a notícia de uma doença grave e incurável? A maioria prefere nem pensar nisso, mas o envelhecimento das pessoas põe, obrigatoriamente, o tema em pauta. Atualmente, mais do que aplicar tratamentos invasivos e sem benefícios, o que muitos médicos buscam é aliviar a dor emocional e física do paciente em seus momentos finais, garan- tindo-lhe uma boa morte. Um estudo sobre o tema, publicado pela revista The Economist, em 2010, mostrou que o Brasil é mal avaliado quando se trata de assistência nos instantes derradeiros da vida, ficando em 38º entre 40 países, à frente apenas de Índia e Uganda (MILHORANCE, 2014) 11 . 3. O DIREITO À EXISTÊNCIA DIGNA De todos os denominados direitos genéricos individuais expressamente assegurados pela Constituição Brasileira, desta- ca-se, sem dúvida, o direito à vida (art. 5º, caput , da CF/88) como o mais importante e elementar (para alguns, até mesmo sagrado) direito, uma vez que – consoante pensamento unânime da dou- trina jurídica – está direta e indubitavelmente associado à pró- pria existência humana. Na concepção doutrinária brasileira, em particular, o direi- to à vida é comumente conceituado como o direito de não ter in- terrompido o processo vital, tradução esta que, em sua ingênua 11 Segundo relatório da consultoria britânica Economist Intelligence Unit , o Brasil obteve o grau 42,5% no “Índice de qualidade de morte”, ocupando a 42ª posição do ranking de 80 países, constituindo-se em um dos países menos preparados em cuidados paliativos para doentes terminais. Consoante avalia Maria Goretti Sales Maciel , presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos e que participou como consultora durante a elaboração do relatório, o Brasil não permite um amplo acesso a terapias e medicamentos, analgésicos especialmente, concluindo que, em nosso País, “quem tem dor, morre com muita dor” (O Globo, 07/10/2015, p. 28). Em necessária adição, Mayla Cosmo , coordenadora do Curso de Especialização em Psicologia da Saúde, na PUC-Rio, afirma também que essa é uma questão cultural, pontuando que “No Brasil, não há essa educação para a morte. Não somos preparados para enfrentá-la” ( ibidem ).
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