Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

173  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022  va implementação de um Estado laico, bem como pelo absoluto respeito aos direitos fundamentais, especialmente os associados à dignidade humana. 2. O DIREITO À VIDA E À MORTE Embora a morte seja intrínseca à vida, o debate sobre o di- reito à morte digna é muito recente. Se o direito à vida sempre existiu, ainda que não fosse positivado ou respeitado, e se a mor- te é indissociável da vida, como se poderia cogitar uma vida dig- na, sem que houvesse uma morte digna? A nosso sentir, a vida deve ser digna do começo ao fim. Segundo Ramataro (2013), desde a Antiguidade grega, já se vislumbrava correntes totalmente antagônicas no que tange à aceitação da “morte digna”. A primeira, liderada por Platão, Só- crates e Epicuro, defendia a ideia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o implemento do suicídio. Em contrapartida, Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, líderes da segunda concepção, condenavam a eutanásia e o suicídio assis- tido. Como se vê, o modo aristotélico de pensar a respeito do di- reito à morte digna sagrou-se vencedor no decorrer dos séculos. Como é sabido, as ideias de Aristóteles foram difundidas e perpetuadas, a partir da Idade Média, por São Tomás de Aqui- no 7 . Tal pensador foi considerado o mais importante filósofo du- rante todo o período medieval, e sua doutrina tida como verdade inatacável. Foi com base em sua obra que São Tomás de Aquino buscou harmonizar as noções de verdade e fé. A preocupação com o direito de morrer volta a ser deba- tida (reaparecendo na literatura) no século XVII pelo filósofo Francis Bacon 8 , que obviamente estava preocupado com o so- 7 Segundo Bosco (2015), no período compreendido entre o início do século XI e fins do século XIII, a Igreja Católica teve papel primordial, com a afirmação da teocracia papal que assegurou a estruturação da cris- tandade. No campo filosófico, dominou a escolástica (busca do saber pela leitura e interpretação de textos de autores considerados “autoridades”), em que se procurava a harmonização de fé e razão.   8 A expressão foi proposta pela primeira vez no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon em sua obra “Tratado da vida e da morte”. Mas foi durante a Segunda Guerra Mundial, já em 1939, que a palavra assumiu conotação negativa. Nesse período, foi criado na Alemanha o Programa Nazista de Eutanásia. O termo “eutanásia” passou a ser empregado por alguns regimes autoritários na primeira metade do século XX, entre eles, especificamente, o nazismo, que colocava em prática uma espécie de eutanásia social, isto

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