Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
172 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022 cularmente laica), desmedidamente reveladora, nesse sentido, quando afirma, em palavras vazias, uma suposta, porém frágil e falseada defesa dos direitos individuais, ainda que estes se apre- sentem expressa e formalmente consignados na Constituição. Nesse contexto analítico, o mais importante dos direitos humanos que se falseia é o sublime respeito à dignidade hu- mana, considerando, sobretudo, que não há nada mais indigno, desrespeitoso e ultrajante do que obrigar qualquer ser humano a submeter-se aos verdadeiros rituais religiosos (mesmo quando estes possam se apresentar chancelados por expressiva parcela da sociedade que os entenda como corretos e insuperáveis) que, desta feita, são impostos à nossa própria vida, ditando e orien- tando nossos comportamentos e impedindo que possamos, mi- nimamente, decidir aspectos próprios e particulares, de indiscu- tível natureza de foro íntimo, relativos à nossa própria existência e ao sentimento morte. Resta extremamente penoso constatar, nesse sentido, que o nosso País continua a ser – não obstante todos os alardeados avanços sociais e políticos – uma simples democracia formal 6 , não tendo logrado atingir, até o presente momento, o almejado patamar evolutivo de uma autêntica democracia material que, em última análise, se caracteriza, acima de tudo, pela real e efeti- por simples omissão (de seus governantes) e/ou sinérgica impotência de meios, concretizar, na prática, o próprio direito positivo (constitucional e infraconstitucional) que produz e continua legitimamente (con- sensualmente). Em grande medida, este é, para muitos estudiosos, o retrato do Estado brasileiro que, não obstante toda a sorte de avanços legislativos e de outros matizes, não consegue fazer valer, em termos práticos e concretos, para todos os cidadãos e em todos os casos, como determina a Constituição, elemen- tos legais básicos, muitas vezes relativos a direitos fundamentais (de natureza constitucional) e que, nesse aspecto, apenas aparentemente, se encontram assegurados. 6 Deve ser observado que o texto constitucional vigente enquadra o Brasil como um “Estado Democrático de Direito” (e não um simples “Estado de Direito” , ou seja, um estado que se submete às leis que edita, indepen- dentemente da existência dos valores democráticos que devem necessariamente aceitá-los) mencionando expressamente cinco fundamentos que o caracterizam como tal, dentre os quais, com devido destaque, o sublime respeito à “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III). A formalização do objeto de se criar um Estado democrático parece claro, inclusive pelo próprio preâmbulo da constituição, que textualmente menciona o propósito dos constituintes, representando o povo brasi- leiro, de “ instituir um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais , a liberdade , a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]” (Grifos nossos). Todavia, passados mais de 25 anos de sua vigência, não se pode negar a absoluta falência em relação à efetiva materialização de seus valores democráticos fundamentais , obrigando-nos a categorizar o atual estágio democrático brasileiro como uma simples “democracia formal” , ainda refém de postulados importantes, particularmente, de caráter religioso.
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