Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

171  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022  garantia de proteção aos direitos invioláveis relativos à dignidade humana, entre os quais o direito inalienável a uma morte digna. Nesse sentido, é forçoso verificar que, se por um lado, o “cristianismo brasileiro” (ou qualquer outra crença verde e ama- rela) revela-se, por imperativo constitucional, um inconteste di- reito, no âmbito da ampla liberdade religiosa que rege o regime democrático nacional, não pode ser, por outro, uma verdadeira (e sutil) realidade impositiva (em forma, inclusive, de inaceitável desafio aos ditames legais vigentes), ao ponto extremado de sim- plesmente determinar como e quando devemos morrer. Tal “cristianismo” irracionalmente pugna pela morte como uma espécie de espetáculo trágico, que envolve atores em níveis diferenciados de purgação (mas onde todos sofrem), conduzindo, por fim, a ideia de “remissão dos pecados”. A dor e o sofrimento buscam, nesse sentido, reproduzir, impositivamente para todos, o exemplo da redenção de Cristo. Essa conduta autoritária deve ser debatida e rejeitada, posto que todos devam ter de per si o di- reito inalienável de, na qualidade de indivíduos-cidadãos, con- fessarem outras crenças (inclusive a própria ausência de crenças) e, dessa feita, o correspondente direito de escolher o momento e o tipo de morte que interpretar como mais digno e adequado em relação à breve e controvertida existência no planeta. Pensar de modo diverso é simplesmente obrigar todos os cidadãos brasileiros a viver sob o manto de uma pseudodemo- cracia, em um regime meramente “continente” e “formal”, que apenas reproduz uma enganosa aparência democrática 5 (e se- em comparação com aquelas existentes, sobretudo, em países europeus desenvolvidos ( ex vi , Holanda, Dinamarca, Suécia, Alemanha etc). 5 Há uma grande e reconhecida diferença entre o regime democrático material (substantivo ou de “con- teúdo”) e o regime democrático formal (aparente ou “continente”). Em nossa obra Ciência Política e Teoria Geral do Estado , 5ª Ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2013, 245 pp., já ousamos advertir que a permanente omissão do dever estatal de agir, na defesa dos valores democráticos assegurados no texto constitucional (de forma expressa ou implícita), compromete a sinérgica possibilidade de se reconhecer o Brasil como um verdadeiro exemplo de democracia . É exatamente dessa virtual omissão do dever estatal de agir que em muitos casos, mesmo existindo um indiscutível Estado democrático de direito, (pelo menos sob a ótica formal), a democracia (na qualidade de império da lei e da ordem jurídica) não se realiza em sua pleni- tude (democracia material ou substantiva), forjando o que, nos últimos anos, convencionamos chamar de democracia formal (ou aparente). Nesse regime, ainda que possa existir ampla liberdade , efetivo respeito formal (por parte do Estado) aos direitos individuais e coletivos e outras características próprias da democracia , não há a efetividade plena da lei e da ordem jurídica , existindo um Estado que, em essência, não consegue,

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