Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022

169  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 166-189, Jan.-Abr. 2022  qual esse evento (a morte) vem sendo interpretado no decorrer dos tempos. Tal visão histórica, ou diacrônica, contribui para o entendimento do morrer na sociedade urbana e tecnológica em que vivemos. A humanidade vive hoje tempos em que os expressivos avanços da Medicina e o desenvolvimento das ciências da vida, numa perspectiva ampla, transformaram as condições de vida e, por via de consequência, a forma como a sociedade avalia a questão do que seria uma morte digna. Em suas reflexões, a teórica busca entender as razões do silenciamento e do pouco debate sobre a morte. Afirma que ine- xiste um espaço subjetivo que possibilite a expressão da ausência do outro. “Um ‘lugar’ em que a negação não se imponha majes- tosa e altiva, forjando ações que afastam o ser humano daquela que lhe é intrínseco, a morte” (RABELO, 2006, p. 6). Tal pensamento reforça a teorização de Freud (1974), que afirma que o ser humano é dividido entre a pulsão de vida e a pulsão de morte: Eros e Tânatos. Se, por um lado, pulsa o desejo de viver em nós, por outro, há uma busca, ainda que inconscien- te, pelo fim das angústias, pela sensação inorgânica anterior ao nascimento. Não parece elucidativo discutir o tema “direito de morrer com dignidade” sem tentar entender as suas implicações nas vá- rias esferas subjetivas dos indivíduos, já que a cultura ocidental judaico-cristã, em que estamos inseridos, do modo como se apre- senta hoje, regida pela aparência, pelo individualismo e especial- mente sustentada pelo culto ao belo e ao novo e que “embala Nar- ciso 3 em berço esplêndido”, recorrentemente (desde Aristóteles) procura negar o debate objetivo sobre o direito de morrer. É como se a morte (transformada em tabu) não fizesse parte da vida, não 3 Narciso é personagem da mitologia grega, que se apaixona pela sua própria imagem. Castro (2009) faz uma analogia entre essa figura arquetípica, incapaz de ver além de sua própria sombra refletida no espelho d’água, e o consumidor da atualidade. Afirma que do ponto de vista psicanalítico, pode-se dizer que a sociedade pós-industrial fundada no consumo e na sedução opera com base numa economia psíquica bas- tante diferente da sociedade industrial fundada na produção e na disciplina. O superego clássico, paterno, repressor, segundo a descrição de Freud, dá espaço a um superego arcaico, materno, permissivo, segundo a hipótese de Lacan.

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