Revista da EMERJ - V. 24 - N. 1 - Janeiro/Abril - 2022
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 116-143, Jan.-Abr. 2022 133 atividade desenvolvida por agentes estatais dotados de uma legitimidade extraída do seu tecnicismo. Esse é o cerne, inclusive, do judicial review , que faz incumbir sobre a função judicante a avaliação quanto à adequação de uma lei ou ato normativo com a norma constitucional, como assentado na célebre decisão Mar- bury vs. Madison . É o que bem observam Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento: “A literatura jurídica mais tradicional concebe a interpretação constitucional como tarefa eminentemen- te judicial, com destaque para o papel das cortes constitucionais e das supremas cortes” (NETO e SARMENTO, 2012, P.399). É um paradoxo encapsular a tarefa de dar sentido ao conjunto de nor- mas que mais atinge a esfera das pessoas quando se considera que ela se presta, dentre outras funções, a estabelecer os objetivos e programas do Estado ao ambiente formal/institucional, deixan- do os seus destinatários absolutamente à margem desse processo. Essa visão da interpretação constitucional como uma tarefa institucional, pouco a pouco, vem cedendo espaço à uma com- preensão de que é necessário – quiçá impositivo – incluir outras forças políticas nesse processo. É o caso da teoria de Peter Häber- le para uma interpretação pluralista da Constituição. Partindo de uma crítica à abordagem até então existente sobre a teoria da interpretação constitucional, que, segundo ele, preocupava-se tão somente com as tarefas, com os objetivos e com os métodos para tanto, propõe em sua obra uma investi- gação sob a mirada de um terceiro eixo, qual seja, o dos parti- cipantes desse processo. Para ele, o modelo de uma “sociedade fechada” de intérpretes, centralizada na figura dos juízes, era ab- solutamente insatisfatório, razão pela qual propõe que isso se dê em uma “sociedade aberta”, pluralista, uma vez que todo aquele que vive a norma acaba por interpretá-la. Ele sintetiza a sua tese da seguinte maneira: A interpretação constitucional é, em realidade, mais um ele- mento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, par- ticipantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade
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