Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 62-94, Set.-Dez. 2021 89 na “cabeça do juiz”, logo o fator tempo está abarcado no arbitra- mento judiciário. Equivale dizer que a reconstrução do ordena- mento tem efeito ex nunc para o ressarcimento do dano extrapa- trimonial. Essa conclusão faz com que a base de cálculo do dano extrapatrimonial seja concretamente menor que a base de cálculo do dano material (pode ser virtualmente analisada, mas não en- tra concretamente na conta). Ao mesmo tempo em que valora a existência da contra- riedade ao direito, a “ilicitude” passa a existir na sentença para viabilizar o arbitramento da indenização. Afinal, o fato jurídico ilícito é um acontecimento com aptidão para produzir consequ- ências no mundo jurídico somente após a constatação judiciária da reprovação, pois consiste na reunião do “fato sensível + inci- dência da norma”. Segundo Marcos Bernardes de Mello, “a nor- ma jurídica, portanto, enquanto não se materializa no mundo o seu suporte fático, não passa de uma proposição linguística sem consequências jurídicas quaisquer. Só a cópula norma/suporte fático cria fato jurídico, e somente de fato jurídico nascem efei- tos jurídicos. Por isso, qualquer doutrina que não leve em conta esses elementos, como as doutrinas normativistas que somente veem a norma, relegando a plano secundário, ou mesmo deixan- do de lado o fato jurídico, jamais poderão explicar conveniente- mente o fenômeno jurídico” 34 . A decisão é imprescindível na ocasião em que existe litígio sobre a constatação do ilícito e da responsabilidade pessoal. E so- mente a partir desse pressuposto decisório é que se passa ao arbi- tramento da indenização. Uma operação que encerra valoração, casuísmo e caráter aberto aos parâmetros debatidos em contradi- tório. O dinamismo do processo enseja a definição do ato ilícito com o escopo de funcionalizar o dever de reparar-dissuadir, sen- do que a dialética que estrutura o processo atribui força consti- cabeça do juiz , ao examinar o fato-crime, James Goldschmidt revela que o sistema jurídico predispõe normas afirmativas de valores que previnem a desestruturação ocasionada pela contrariedade ao direito. Porém, quando ocorre o dano, a adjudicação da responsabilidade e o cálculo do montante a ser reparado é objeto do conhecimento do juiz. GOLDSCHMIDT, James. La Concepción Normativa de la Culpabilidad . Trad. Margarethe de Goldschmidt; Ricardo C. Nuñez. 2ª ed. Buenos Aires: Julio César Faira – Editor, Bdef, 2007, p. 73. 34 Prefácio do ensaio Teoria dos fatos jurídicos processuais , de Didier Jr. e de Pedro Henrique Pedrosa Noguei- ra, p. 12.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz