Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 62-94, Set.-Dez. 2021 79 somente para declarar a vontade da legislação por intermédio de um raciocínio cognitivo e silogístico, perdurou pelo século XIX e foi confirmada no processo civil pela Escola Processualista, influenciando a dogmática da Alemanha e da Itália. A teoria de- claratória da jurisdição explicita um cenário que respalda a visão do processo por intermédio da lente civilista, fazendo com que institutos e até práticas sejam remetidos a uma sistematização es- tática porque focada em normas atributivas de direitos-deveres nesse duplo binário avalorado, fechado e abstrato. O constitucionalismo, desde meados do século XX, confere nova motricidade às funções estatais 18 – elas passam a atuar har- monicamente , implicando primazia aos direitos fundamentais e alvitrando a preservação da dignidade da pessoa humana. Isso resultou em um novo aparato de fontes jurídicas e em uma técni- ca legislativa repleta de cláusulas gerais e conceitos indetermina- dos que retratam a plasticidade dos dispositivos constitucionais. Em realidade, a tríplice modificação em termos das fontes (teoria das normas, técnica legislativa e interpretação jurídica) funcio- nalizou a jurisdição 19 , que não meramente descreve ou explica exegeticamente textos da lei, mas concretiza a norma do caso para entregar a tutela do direito para as pessoas em uma perspectiva em que o texto da lei difere da norma – a dinamicidade está na valo- ração, no caráter aberto e na maneira casuísta da operação jurídi- ca da interpretação que concretizava a norma do caso concreto. incorporada pelo novo Código de Processo Civil. In ARENHART, Sergio; MITIDIERO, Daniel (coord.); DOTTI, Rogéria (org.). O processo civil entre a técnica processual e a tutela dos direitos (estudos em homenagem a Luiz Guilherme Marinoni). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 290. 18 A doutrina assinala que o “French style” consiste em um modelo histórico que não resiste à mudança implicada pela verdadeira revolução contemporânea dos direitos humanos e da legitimação de meios e instituições que os concretize. Mauro Cappelletti enfatiza que não existe um futuro para a humanidade que não recobre a filosofia da tolerância e do mútuo respeito, que serve aos indivíduos enquanto fins em si mesmos e serve também para propulsionar as instituições – no sentido de elas providenciarem instru- mento de salvaguarda das pessoas. CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da “Justiça Constitucional”. Trad. Fernando Sá. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS , vol. 20, ano 2001, p. 285. 19 “O legislador deve resignar-se a considerar as próprias leis como ‘partes’ do direito, não como ‘todo’ o direito. Em outros termos, o ‘universo jurídico’ acaba por concretizar-se na atividade argumentativa da classe dos juristas, em uma contínua integração de sujeitos que compartilham preparação e mentalidade similares”. PICARDI, Nicola. A vocação de nosso tempo para a jurisdição. Ensaio em homenagem a Giu- seppe Tarzia com tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro (org.). Jurisdição e processo . Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 23.
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