Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 62-94, Set.-Dez. 2021 76 Respeitosamente, a questão do arbitramento judiciário do dano extrapatrimonial redimensiona a base de cálculo e acarre- ta uma releitura da Súmula 54 do STJ. Afinal, a separação en- tre o texto da lei em relação à norma remete a uma supremacia funcional da jurisdição para concretizar o direito em tempos de constitucionalismo. 1.2 Os fundamentos determinantes do enunciado sumulado A súmula de um tribunal consiste no resumo de casos deci- didos de maneira similar. O enunciado consolida a sinopse da ju- risprudência em determinado sentido, então demonstrando um entendimento que abarca diversos casos 14 . Ele serve como um “modelo”, por isso tem caráter aparentemente abstrato e uma linguagem que se aproxima aos tipos positivados na legislação. A Súmula 54 do STJ determina que “os juros moratórios fluem a partir do evento danoso em caso de responsabilidade extracontratual”. Uma redação quase idêntica ao previsto no art. 398 do atual Código Civil, que estipula que “nas obrigações pro- venientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou”. A questão da ilicitude 15 é compromissada com a clássica noção civilista de contrariedade ao direito – seja violação do di- reito positivo no sentido estrito, seja violação das cláusulas do contrato (em ultima ratio , esse direito decorre da legislação); em qualquer hipótese o civilista trata como “ilícito”. Necessário lem- brar que o art. 398 tem a redação elaborada por Miguel Reale antes mesmo da publicação da Súmula 54 do STJ nos anos de 14 SOARES, Carlos Henrique. O precedente judicial e a súmula com efeito vinculante no novo Código de Processo Civil brasileiro. In ALVIM, Thereza; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; SCHMITZ, Leonard Ziesemer; CARVALHO, Nathália Gonçalves de Macedo. O novo Código de Processo Civil brasileiro (estudos dirigidos: sistematização e procedimentos). Rio de Janeiro: Forense, p. 385. 15 O direito positivo encampa a proposição jurídica de matriz kelseniana em que uma obrigação (direito subjetivo) subentende um dever (a origem mais prematura advém de Windscheid). Além de essa correla- ção não ser necessária – existem deveres sem obrigações correlatas –, a questão da ilicitude não é absoluta- mente vinculada à indenização. Com efeito, o sistema jurídico estipula normas de conduta que podem ser descumpridas e não causarem um dano imediato (vide normas de direito ambiental). É importante situar o contexto civilista que se reflete na tutela do direito subjetivo, diversamente do que ocorre quando o foco da jurisdição é a entrega da tutela do direito , o que acontece na atualidade e a partir de uma posição jurídica. Os interesses a serem satisfeitos na atualidade são muito mais variados que na milenar dicotomia.
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