Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 62-94, Set.-Dez. 2021 73 rem uma unidade consistente do direito pela “concretização” da norma, antes, meramente se reportam aos dispositivos de normas positivados na codificação para explicarem ou sistematizarem o encontro de soluções já legisladas. O Superior Tribunal de Justiça, naquele primeiro quartel dos anos de 1990, manuseava a legislação conforme os ditames culturais da época – não há nada errado nisso. Porém é necessá- rio demarcar que a propedêutica ora denominada “situacional” revelava um desdobramento ilocucionário (o que se faz para aplicar a súmula) e outro locucionário (o sentido que embasa tal aplicação) 8 . Quer dizer que o STJ descrevia a “vontade” da lei 9 , desenvolvia dogmaticamente as fronteiras da literalidade do có- digo sem, contudo, apreciar os novos direitos para os customizar, sem a então interferência do fenômeno da constitucionalização e, sobretudo, sem discutir a densidade preditiva-concretizadora de uma decisão judicial em parcela de igualdade harmônica e mate- rial com o Poder Legislativo. A separação dos poderes 10 era levada em margem de igual- dade formal. Ou melhor, o Legislativo se sobrepunha ao Judi- ciário no tocante ao “poder de dizer a legislação”. Daí que os 8 FERRER BELTRÁN, Jordi. Prova e verdade no direito . Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 21. 9 A corrente cognitivista pode ser decantada em subjetiva (vontade do legislador) e objetiva (vontade ex- traída do conteúdo da lei). Com a influência de Wach, que além de processualista era um teórico do direito, fala-se mais em “vontade da lei” em um sentido objetivo, como se o cognitivismo fizesse uma descoberta ou um conhecimento do significado dos textos – pressupondo que não haveria ambiguidades ou vaguezas normativas, indicando que todo o direito e a segurança jurídica fossem decorrentes das fontes legisladas. Ver GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare . Milano: Giuffrè, 2011, p. 409. 10 Uma separação absenteísta ou autonomista dos poderes – observada sem a motricidade da harmoniza- ção desses mesmos poderes – é campo institucional propício para que os assuntos ou as funções desem- penhadas pelos poderes também “não dialoguem”. Daí a reta separação entre direito material e processo, então defendida pela Escola Processualista, que elevou o processo civil a uma categoria autônoma até os limites da decisão (e da teoria da decisão judiciária) para não tocarem o ordenamento civil com a nota da criatividade. O cognitivismo apenas traduz o que o texto do direito material já traz por completo. A dou- trina refere que “podemos relacionar a necessidade do afastamento entre direito material e direito processual daquela época com a necessidade de separar rigidamente a função do Estado, que tem o poder de criar a norma, daquele que tem o poder de aplicá-la . Em outras palavras, apenas a uma das funções do Estado poderia ser outorgado o poder de criar o direito, cabendo à outra a descoberta do significado e a declaração do direito preexistente, mediante a sua aplicação ao caso concreto. Cabia, assim, ao Poder Legislativo criá- -lo, e ao poder jurisdicional aplicá-lo. Não era permitido nenhum ato de criação daqueles que exerciam a função de aplicação do direito.” FEIJÓ, Maria Angélica. A visão da jurisdição incorporada pelo novo Código de Processo Civil. In ARENHART, Sergio; MITIDIERO, Daniel (coord.); DOTTI, Rogéria (org.). O processo civil entre a técnica processual e a tutela dos direitos (estudos em homenagem a Luiz Guilherme Mari- noni). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 293.
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