Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 37-61, Set.-Dez. 2021  41 Exemplificamos: em uma ação de guarda de uma criança que tramitou na vara de família, foi produzida prova pela geni- tora no intuito de provar que o genitor do menor a abandonou, deixando de cuidar dela e de alimentá-la. Por sua vez, na ação penal pública, movida posteriormente pelo Ministério Público contra esse pai, pelo crime de abandono material (art. 244 do Có- digo Penal), será possível utilizar a prova produzida contra ele no processo civil. Veja que não há uma identidade total de partes, uma vez que na ação familiar figuram como autor e réu a mãe e o pai da criança, enquanto que no processo criminal serão partes o Minis- tério Público e o pai. Todavia aquele que suportará os efeitos da prova, no caso o genitor/réu, figurou em ambos os processos e pôde contraditá-las oportunamente. No exemplo supracitado, a parte que será alcançada pela prova em nenhummomento teve seu contraditório violado, uma vez que participou da produção probatória – e a contraditou – tanto no processo de origem quanto naquele que a receberá de forma emprestada. No direito alienígena também se vislumbra a solução supra -explicitada. Eis as palavras de Kai Ambos analisando a situa- ção, sob a perspectiva do direito germânico: “para nós, nenhu- ma dificuldade haverá, em se tratando do mesmo acusado nos dois processos, tendo sido aquela prova obtida mediante o crivo do contraditório, podendo, assim, ser utilizada a interceptação como prova emprestada” 11 . Durante anos, esse foi o entendimento consolidado do nos- so Superior Tribunal de Justiça em relação à prova emprestada, tanto no processo penal como também em processos extrape- nais 12 . Trata-se do melhor entendimento que não inviabiliza por 11 AMBOS, Kai. e LIMA, Marcellus Polastri. O processo acusatório e a vedação probatória perante as realidades alemã e brasileira . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 177. 12 “(...) 9. Em vista das reconhecidas vantagens da prova emprestada no processo civil, é recomendável que essa seja utilizada sempre que possível, desde que se mantenha hígida a garantia do contraditório. No entanto, a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. 10. Inde- pendentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aprovei- tamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto

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