Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
204 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 181-215, Set.-Dez. 2021 Vista a questão sob outro ângulo, parece possível afirmar que essas e outras proposições caminham rumo ao sentido co- mum que já se identificou na doutrina como a “declaração de inconstitucionalidade da norma produzida pela incidência da re- gra sobre uma determinada situação específica” (BARCELLOS, 2005, p. 231-232), proposição à qual doravante se fará referência como inconstitucionalidade (da regra) no caso concreto . 45 Aventa-se, assim, a possibilidade de uma regra abstratamente constitucio- nal ( i.e. , cuja validade não foi infirmada pelos mecanismos tradi- cionais de controle de constitucionalidade) produzir resultados ilegítimos diante das peculiaridades de um certo caso e, por essa razão, ser ela própria (a norma-regra) reputada inconstitucional no caso concreto . 46 Trata-se, em suma, de aferir a legitimidade de uma regra ainda que dos mecanismos de controle abstrato se de- preenda sua constitucionalidade e, portanto, sua aptidão genéri- ca à resolução de casos concretos (SILVA, 2017, passim ). A ilustrar a problemática, tome-se para análise a aprecia- ção da constitucionalidade do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993. 47 45 Ao se referir às “(...) hipóteses em que as regras, embora aplicáveis ao caso concreto, geram uma solução profundamente injusta e inadequada”, Ana Paula de Barcellos propõe três possíveis critérios para solução desses peculiares conflitos envolvendo regras – equidade, imprevisão e invalidade de incidência específica da regra. Leciona a autora: “Em suma: afora o uso da equidade, que em qualquer caso respeita as possibili- dades semânticas do texto, o intérprete apenas poderá deixar de aplicar uma regra por considerá-la injusta se demonstrar uma de duas situações: (i) que o legislador, ao disciplinar a matéria, não anteviu a hipótese que agora se apresenta perante o intérprete: imprevisão; ou (ii) que a incidência do enunciado normativo à hipótese concreta produz uma norma inconstitucional, de tal modo que, ainda que o legislador tenha cogitado do caso concreto, sua avaliação deve ser afastada por incompatível com a Constituição. Sublinhe- se que tais fórmulas funcionam como exceções ao parâmetro geral da preferência das regras e, por isso mesmo, fazem recair sobre o intérprete o ônus argumentativo especialmente reforçado de motivação” (BARCELLOS, 2005, p. 221). 46 Nesse sentido, Luís Roberto Barroso assevera: “É possível acontecer de uma norma ser constitucional no seu relato abstrato, mas revelar-se inconstitucional em uma determinada incidência, por contrariar o próprio fim nela abrigado ou algum princípio constitucional” (BARROSO, 2006, p. 375). Em sentido semel- hante, v. LEITE, Fábio Carvalho. Pelo fim da “cláusula de reserva de plenário”, cit., p. 109 e ss. A conclusão não seria de se estranhar, segundo Humberto Ávila, pela percepção de que “(...) toda norma jurídica – in- clusive as regras – estabelece deveres provisórios, como comprovam os casos de superação das regras por razões extraordinárias com base no postulado da razoabilidade” (ÁVILA, 2015, p. 114). 47 In verbis : “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (...) § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Nada obstante os referidos dispositivos legais ( caput e § 3º do art. 20 da Lei nº 12.435/2011) tenham sido alterados pela Lei nº 13.982/2020, optou-se por fazer menção à redação anterior em razão de ter se desenvolvido sobre ela a deliberação do Supremo Tribunal Federal exposta na sequência.
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