Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
203 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 181-215, Set.-Dez. 2021 creto, por suas peculiaridades fáticas e pelos interesses concreta- mente envolvidos, não se amolda à finalidade geral subjacente à norma-regra, restaria justificada a superação da regra . 42 Proliferam, assim, proposições teóricas centradas na enun- ciação de requisitos formais e materiais de derrotabilidade (ou supe- rabilidade) das regras . 43 Tamanho é o relevo conquistado por tal linha de raciocínio que parcela da doutrina contemporânea che- ga a enunciar uma teoria da derrotabilidade das regras (VASCON- CELLOS, 2010, passim ; SERBENA, 2012, passim ; PREVEDELLO, 2019, passim ; FIGUEROA; MOREIRA, 2012, passim ; FARIAS, 2014, passim ). Com origem usualmente associada à compreensão da Filosofia do Direito na vertente desenvolvida por Herbert L. A. Hart, 44 tais formulações parecem convergir, em síntese essen- cial, em torno da necessidade de fundamentação racional quanto à não conformidade da aplicação de uma regra ( rectius : da apli- cação subsuntiva da regra ao fato) perante a axiologia do orde- namento jurídico. O problema teórico sob exame não raramente é enunciado, no âmbito de tal linha de pensamento, como o en- frentamento da “juridicidade de decisões contra legem ” (BUSTA- MANTE, 2010, p. 152). 42 Como se desenvolverá na sequência do estudo, não parece tratar-se de efetiva superação da regra, mas sim da sua consideração e sopesamento em conjunto com as demais normas componentes do sistema jurídico. A regra abstratamente constitucional não pode ser legitimamente superada no sentido de ser com- pletamente ignorada quando da interpretação-aplicação do Direito; o que não se deve tolerar, igualmente, é que as supostas neutralidade e clareza do raciocínio silogístico justifiquem a inobservância do inteiro ordenamento jurídico em cada caso concreto. Resta superada , enfim, a hegemonia da subsunção, como de longa data propugna a doutrina do Direito Civil-Constitucional. 43 Ao analisar o que denomina requisitos materiais de superabilidade das regras , Humberto Ávila afirma:“(...) o grau de resistência de uma regra à superação está vinculado tanto à promoção do valor subjacente à regra (valor substancial específico) quanto à realização do valor formal subjacente às regras (valor formal da segurança jurídica). E o grau de promoção do valor segurança está relacionado à possibilidade de reaparecimento frequente de situação similar” (ÁVILA, 2015, p. 144-145). O autor prossegue: “A decisão individualizante de superar uma regra deve sempre levar em conta seu impacto para aplicação das regras em geral. A superação de uma regra depende da aplicabilidade geral das regras e do equilíbrio pretendido pelo sistema jurídico entre justiça geral e justiça individual” ( Ibid ., p. 146). No que tange ao que denomina requisitos procedimentais de superabilidade das regras , o autor assevera: “A superação de uma regra deverá ter, em primeiro lugar, uma justificativa condizente. Essa justificativa depende de dois fatores. Primeiro, da demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente. (...) Segundo, da demonstração de que o afastamento da regra não provocará expressiva insegurança jurídica. (...) Em se- gundo lugar, a superação de uma regra deverá ter uma fundamentação condizente: é preciso exteriorizar, de modo racional e transparente, as razões que permitem a superação. Vale dizer, uma regra não pode ser superada sem que as razões de sua superação sejam exteriorizadas e possam, com isso, ser controladas. A fundamentação deve ser escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada” ( Ibid ., p. 147). 44 A relatar a recorrente afirmação do pioneirismo de Hart na aplicação da chave conceitual da derrotabili- dade no Direito (em especial, a partir de HART, 1948, passim ), v. VASCONCELLOS, 2007, item 2.1.
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz