Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
200 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 181-215, Set.-Dez. 2021 o condão de impedir o reconhecimento de entidades familiares formadas por pessoas do mesmo sexo. Dentre as referidas possibilidades de interpretação, so- mente a ampliativa guarda compatibilidade com a tábua axio- lógica constitucional, uma vez que a restrição da união estável às entidades formadas por homem e mulher vai de encontro à liberdade e à igualdade (de gênero, de orientação sexual etc.) constitucionalmente tuteladas (TEPEDINO, 2012a, p. 26). Essa foi exatamente a conclusão do Supremo Tribunal Federal ao jul- gar conjuntamente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132 e a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277, tendo a Corte recorrido expressamente à técnica sob análi- se para determinar a interpretação do art. 1.723 do Código Civil em conformidade com a Constituição, “(...) para excluir do dis- positivo em causa qualquer significado que impeça o reconheci- mento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família”. 38 Nada obstante sua importância e utilidade, cumpre obser- var que, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a interpretação conforme a Constituição traduz mecanismo de controle abstrato (e não propriamente concreto) de constitucio- nalidade. 39 Desse modo, a interpretação conforme não se presta a esclarecer como uma regra abstratamente constitucional pode ter uma aplicação, em um dado caso concreto, incompatível com a normativa constitucional. Pense-se, a título de ilustração, no caso dos atributos dos direitos da personalidade: caso uma pes- soa sofra lesão corporal gravíssima e esteja em risco iminente 38 STF, Tribunal Pleno, ADPF 132 e ADI 4.277, Rel. Min. Ayres Britto, julg. 5/5/2011. Em que pese a acer- tada e louvável conclusão alcançada pela Corte, parece possível afirmar que tal desfecho haveria de ser produzido mesmo sem o recurso à técnica de interpretação conforme, desde que se reconhecesse que da incidência direta dos princípios constitucionais (em especial, os princípios da igualdade, da liberdade, da dignidade, da solidariedade e do livre planejamento familiar) já se poderia extrair a plena legitimidade da união estável homoafetiva. 39 Assim se depreende, embora implicitamente, da doutrina especializada: “Porque assim é, a interpreta- ção conforme a Constituição funciona também como um mecanismo de controle de constitucionalidade. Como bem perceberam os publicistas alemães e, especialmente, o Tribunal Constitucional Federal, quando o Judiciário condiciona a validade da lei a uma determinada interpretação ou declara que certas aplicações não são compatíveis com a Constituição, está, em verdade, declarando a inconstitucionalidade de outras possibilidades de interpretação ( Auslegungsmöglichkeiten ) ou de outras possíveis aplicações ( Anwendungs- fälle )” (BARROSO, 2009, p. 196).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz