Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021

199  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 181-215, Set.-Dez. 2021  Hodiernamente, assiste-se a progressivo crescimento da utilização da interpretação conforme, tendo por pressupostos mais diretos a supremacia da Constituição e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder Pú- blico (BARROSO, 2006, p. 361). O raciocínio pode ser enuncia- do do seguinte modo: se as normas constitucionais ocupam a mais alta hierarquia no ordenamento e se se presume a legiti- midade das leis até pronunciamento judicial em sentido con- trário, impõe-se ao intérprete a responsabilidade de priorizar, dentro dos limites do enunciado normativo, 36 a interpretação compatível com a Constituição em detrimento da extirpação definitiva do dispositivo normativo cuja constitucionalidade seja questionada. Possível exemplo de recurso à interpretação conforme a Constituição na seara do Direito Civil diz respeito ao art. 1.723 do Código Civil. O dispositivo prevê o reconhecimento da união estável “entre homem e mulher”, previsão que gerou grande ce- leuma a propósito da possibilidade ou não de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo. 37 Desse único enun- ciado normativo podem se extrair ao menos duas interpretações: uma restritiva, no sentido de que a união estável tem como pres- suposto inafastável o relacionamento entre um homem e uma mulher; e outra ampliativa, no sentido de que a menção à união “entre homem e mulher” é meramente exemplificativa e não tem o intérprete deverá dedicar especial atenção à problemática referente à possibilidade de reapreciação da matéria pelo órgão julgador. Isso porque o juiz não pode voltar atrás e declarar constitucional norma previ- amente reputada inconstitucional em controle principal, pois nessa hipótese considera-se que a norma foi definitivamente extirpada do ordenamento jurídico. Diversamente, reconhece-se ao tribunal a faculdade de declarar inconstitucional norma previamente reputada constitucional (ainda que em sede de controle principal), vez que novos argumentos podem ser aduzidos e levar à conclusão pela incompatibilidade da norma com a ordem constitucional. 36 Adverte-se: “(...) naturalmente, não é possível ao intérprete torcer o sentido das palavras nem adulterar a clara intenção do legislador. Para salvar a lei, não é admissível fazer uma interpretação contra legem . Tampouco será legítima uma linha de entendimento que prive o preceito legal de qualquer função útil” (BARROSO, 2009, p. 198). O autor arremata: “Atente-se, por relevante, que o excesso na utilização do princípio pode deturpar sua razão de existir. Isso porque, ao declarar uma lei inconstitucional, o Judi- ciário devolve ao Legislativo a competência para reger a matéria. Mas, ao interpretar a lei estendendo-a ou restringindo-a além do razoável, estará mais intensamente interferindo nas competências do Legislativo, desempenhando função legislativa positiva” ( Ibid. , p. 198). 37 Evitou-se a denominação união homoafetiva para que se afaste a usual confusão entre sexo/gênero, iden- tidade de gênero e orientação sexual.

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