Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021

189  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 181-215, Set.-Dez. 2021  reconfigura-se e passa a consistir, assim, no efetivo ordenamento do caso concreto , a impor ao intérprete o reconhecimento da sua responsabilidade, por ser preferível que se assumam e se expli- citem as suas idiossincrasias do que ocultá-las “sob o manto de uma suposta neutralidade na atribuição de significado aos enun- ciados normativos” (KONDER, 2017, p. 41). 3. REVISITANDO A DISTINÇÃO ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS Buscou-se, nas linhas anteriores, apresentar a distinção preliminar entre norma e enunciado normativo , com base na qual se passa, na sequência do raciocínio, a analisar a tradicional subdivisão do gênero norma jurídica em duas espécies – regras e princípios. 10 Tributária, em grande medida, dos estudos de Ro- nald Dworkin (1977, p. 24 e ss.) e Robert Alexy (2010, p. 47 e ss), a referida classificação se fundamenta sobre dois principais cri- térios distintivos: i) estrutura normativa e ii) modo de aplicação. No tocante à estrutura normativa, afirma-se que as espécies de normas jurídicas se distinguem na medida em que as regras descrevem comportamentos mediante os clássicos modais de- ônticos clássicos (permitido, proibido ou obrigatório), ao passo fatos e aos acontecimentos” (PERLINGIERI, 2008, p. 201). 10 Afigura-se pertinente, a esse respeito, a proposição de Humberto Ávila quanto à distinção entre o que denomina normas de primeiro grau (regras e princípios) e normas de segundo grau (postulados normativos): “Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação. (...) Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das regras. A uma, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as regras são normas objeto da aplicação; os postulados são normas que orientam a aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mesmos destinatários: os princípios e as regras são primariamente dirigidos ao Poder Público e aos contribuintes; os postulados são frontalmente dirigidos ao intérprete a aplicador do Direito. A três, porque não se relacionam da mesma forma com outras normas: os princípios e as regras, até porque se situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciprocamente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer de modo preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e das regras sem conflituosidade necessárias com outras normas” (ÁVILA, 2015, p. 164). Luís Roberto Barroso alcança conclusão semel- hante quanto ao caráter metódico de algumas normas, embora prefira atribuir-lhes a alcunha de princípios instrumentais de interpretação constitucional (BARROSO, 2009, p. 370 e ss.). Uma relevante consequência da presente distinção consiste no reconhecimento do que pode vir a ser violado em um dado caso concreto: “Só elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da razoabilidade, da proporciona- lidade ou da eficiência, por exemplo. A rigor, violadas são as normas – princípios e regras – que deixaram de ser devidamente aplicadas” (ÁVILA, 2015, p. 176). Em sentido similar, a ilustrar a aplicação dessa linha de raciocínio no âmbito da doutrina civilista, tendo por referência o postulado normativo da razoabilidade e o postulado metodológico-hermenêutico da função social do contrato, v., respectivamente, GUEDES, 2011, p. 236 e ss.; e KONDER, 2017, p. 55 e ss.

RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz