Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 110-145, Set.-Dez. 2021 137 Com base nas informações deste tópico, eis alguns critérios de identificação da “jurisprudência da crise” no STF: (i) circuns- tâncias de crise econômica ou excepcionais da pandemia; (ii) “ce- dência da normatividade” em conformação à realidade sanitária, econômica e social; (iii) pertinência temática às questões finan- ceiras, à calamidade pública da pandemia e aos direitos sociais. Partindo à análise de julgados no Brasil, diversamente dos precedentes portugueses da crise, o STF declarou a inconstitu- cionalidade do artigo 23, § 2º, da LRF, que institui a redução de jornada de trabalho e de salários de servidores públicos quando a despesa pública extrapolar o limite máximo de 60% da receita. 33 Entretanto, aos trabalhadores privados na ADI 6363, o STF manteve a eficácia da regra da MP nº 936/2020, que autorizou a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão temporária do contrato de trabalho por meio de acordos indivi- duais em razão da COVID-19, independentemente da anuência dos sindicatos da categoria. 34 Essa decisão da Corte pode ser ca- racterizada facilmente como integrante de uma “jurisprudência da crise”, apesar de ter cedido totalmente a normatividade (con- frontando, inclusive, o texto constitucional como limite interpre- tativo) às circunstâncias excepcionais da pandemia. 35 33 O Plenário do STF reconheceu a irredutibilidade dos subsídios e vencimentos dos servidores públicos (artigo 37, XV c/c artigo 7º, VI da CRFB). Nesse sentido, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello. Vencido, o relator Alexandre de Moraes sustentou que o artigo 169 da CRFB (perda do cargo em caso de descumprimento dos limites fis- cais) estatui medida mais severa que o artigo 23, § 2º, da LRF, trazendo um caminho intermediário (acom- panhado pelos ministros Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Dias Toffoli). Julgamento conjunto das ADIs 2238, 2241, 2250, 2256, 2261, 2324 e 2365, e ADPF 24). Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/ verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=446218&ori=1. Acesso em 06 jul. 2020. 34 Este julgamento do STF se aproxima, e muito, do realismo jurídico, escola interpretativa em que o “ver- dadeiro legislador é o julgador” (DIMOULIS, 2006, p. 153). No caso, “a Constituição é o que o Tribunal Constitucional diz que é”. Assim, a “moldura interpretativa” (limite normativo) é construída pelo próprio julgador em um amplo espaço de discricionariedade. Para Hesse, todavia, a primazia do texto é o “limite inultrapassável” da interpretação constitucional. Esse “limite é pressuposto da função racionalizadora, es- tabilizadora e limitadora do poder própria da Constituição. Tal função admite a possibilidade de uma mu- dança constitucional, mas exclui o enfraquecimento constitucional – desvio de texto num caso concreto – e a reforma da Constituição por interpretação. [...] o juiz que está submetido à Constituição não pode escolher livremente os topoi (pontos de vista), como ocorre na tópica pura de Viehweg” (HESSE, 2009, p. 111-117). 35 O Plenário do STF não referendou a liminar do rel. min. Lewandowski, que conferia interpretação con- forme a Constituição ao artigo 11, § 4º, da MP 936/2020 “de maneira a assentar que os acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho [...] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, im- portando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes”. Prevaleceu a divergência aberta pelo min.
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