Revista da EMERJ - V. 23 - N. 3 - Setembro/Dezembro - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 110-145, Set.-Dez. 2021 124 o mínimo existencial em detrimento da alegada insuficiência de recursos. 8 Entretanto, não é uma tarefa fácil ao Judiciário manter a coerência na aplicação desses preceitos durante a atual crise sanitária, política e econômica, que não pode fechar os olhos à realidade na concretização constitucional. 9 Em questões polêmicas recentes submetidas ao STF, Skaff (2017) alerta que “o direito financeiro vem sendo usado para atacar a saúde pública”. O artigo 2º da EC nº 86/2015 instituiu uma inconstitucional progressividade temporal até o alcance de 15% da receita corrente líquida de financiamento à saúde (em 2016, 13,2%; 2017, 13,7%; 2018, 14,1%; 2019, 14,5%; e 2020, 15%). Por violar a saúde, a proporcionalidade e a proibição do retrocesso social, o Procurador-Geral da República ingressou com a ADI 5595. O dispositivo citado fora revogado pelo artigo 3º da EC nº 95/2016, que fixou um limite máximo para a saúde pública, garantindo-se apenas a correção monetária ao limite mínimo. O Executivo, todavia, desrespeitou esse novo limite, aplicando, em 2016, montante inferior aos 15% atribuídos constitucionalmente. Uma vez que tais percentuais transitórios geraram efeitos con- cretos, a ADI 5595 não perdeu o objeto. Logo, faltaram R$ 2,5 bilhões em 2016 para o alcance do limite constitucional da saúde pública (SKAFF, 2017). Na ADI 5658, o PDT questiona a EC nº 95/2016, para que o STF atribua interpretação conforme a Constituição, excluindo os gastos de educação e saúde do novo limite, pois o “o aumento da população fará com que os gastos públicos per capita nas áreas 8 ARE 639337 AgR/SP, Rel. Min. j. 23.08.2011; RE 763667/CE, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22.10.2013; ARE 727864/PR, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.11.2014. 9 Segundo Hesse (2009, p. 111), o processo de concretização das normas constitucionais é composto pelo “programa normativo” (análise dos elementos linguísticos) e pelo “âmbito normativo” (análise da rea- lidade concreta). Müller (2000) aduz que os fatos são elementos inseparáveis da norma no processo de compreensão. O concreto é constitutivo da normatividade, mas o intérprete só poderá relacionar com o problema os elementos extratextuais pertinentes, e não qualquer ponto de partida ou fato. O acoplamento entre fato e texto na estrutura da norma afasta a tese de suposta força normativa do fático, uma vez que tais fatos devem ser verificados a partir da “perspectiva seletiva e valorativa do programa normativo”. Complementa que “uma norma pode parecer clara ou mesmo única no papel. Já o próximo caso prático ao qual ela deve ser aplicada pode fazer que se afigure extremamente destituída de clareza. Isso se evidencia sempre na tentativa efetiva da concretização”.
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