Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 9-30, Abr.-Jun. 2021 28 “exemplo aleatório”, embora aparentemente nada tenha de ale- atório: “o Dep. Eduardo Cunha foi condenado em segundo grau de jurisdição a uma pena de 14 anos e 6 meses” e portanto seria beneficiado (o que não ocorreria com a exigência de 1/3 da pena cumpridos e o limite de 12 anos). E as dezenas de milhares de condenados a 14 anos e 6 meses fiquem assim alijados do indulto que seu colega célebre não pode receber por alguma razão que não está explicitada com clareza. O poder punitivo segue aqui o brado das torcidas belicosas nos estádios: “pega um, pega geral”. Por maioria de votos, a Corte Suprema revogou a cautelar e julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, ten- do liderado a divergência com extenso voto o eminente Min. Ale- xandre de Moraes. António Manuel Hespanha viu no poder da graça um “resíduo daqueles anteriores poderes taumatúrgicos dos reis” 43 , sobre os quais Marc Bloch nos legou uma obra pri- ma 44 . Se a sua opinião for correta, parte de nossa Corte Suprema nesse episódio quase se aproximou da tradição dos soberanos que curavam escrófulas apenas impondo suas mãos aos pacien- tes súditos. Esse caso tem características político-criminais únicas, por- que revela como o poder punitivo, sempre à busca de expansão, naquele instante resolveu investir até contra o poder da graça, seu ínfimo e residual oponente. Um olhar negativo sobre a clemência participou intensamente dos regimes autoritários do século XX. Em 1934, o lema dos juristas nazistas era: “Antes: nenhuma pena sem lei! Agora: nenhum delito sem pena! ( Erst: keine Strafe ohne Gesetz! Jetzt: kein Verbrechen ohne Strafe !)”. Expressões similares não infestam hoje enormes setores das mídias sociais? A espe- rança de que a pena – que consiste, nada mais, nada menos, em imposição de sofrimento a seres humanos – seja um instrumento de transformação social é um equívoco trágico, desmentido pela vocação conservadora que a pena historicamente sempre revelou. Uma frente de luta que mereceria a adesão da magistratura democrática objetivaria uma alteração no artigo 107, inciso IX, 43 Cultura Jurídica Européia, p. 180. 44 Os Reis Taumaturgos.
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