Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 9-30, Abr.-Jun. 2021 26 tas que diariamente opinam sobre questões judiciárias sem nun- ca terem aberto um só livro de direito – não tinha dúvidas: o indulto representava nova investida contra a entidade sui generis denominada Lava-Jato. A Procuradoria Geral da República (PGR) propôs Ação Di- reta de Inconstitucionalidade contra o decreto. Em sua inicial, reconhecendo embora “que o indulto é ato discricionário e priva- tivo do Presidente da República”, frisava que tal discricionarie- dade “deveria ser usada nos limites da Constituição”. Os únicos limites que o leitor minucioso da Carta encontrará nela residem na vedação do indulto aos crimes expressamente arrolados no artigo 5º, inciso XLIII; e do fato de ter a Constituição proibido a concessão do indulto a estes e apenas a estes se podem extrair consequências importantes e bastante óbvias. O requerimento da PGR ainda afirmava que “a finalidade constitucional do instituto (do indulto) é prevenir o cumprimento de penas corporais des- proporcionais e indeterminadas”, sem se dar ao trabalho de ex- plicar como é que se previne algo que já está ocorrendo (pode-se apenas remediar) e como seria possível no Brasil a aplicação ou execução de pena indeterminada. Para a PGR, haveria um limite do indulto no “livre exercício da função penal pelo Poder Judi- ciário”, elencando a seguir todos os objetivos proclamados pelas teorias legitimantes da pena e jamais demonstrados pela pesqui- sa empírica (“inibir práticas semelhantes por outrem”, “reabili- tar o infrator” etc). Não fosse o bastante, a PGR assegurava que o decreto incidia na “vedação constitucional ao Poder Executivo para legislar sobre direito penal”, e ainda violava “os princípios constitucionais da separação dos poderes”. O último argumento só Freud dissecaria até o osso, porque quem estava tentando vio- lar a separação de poderes era exatamente a PGR. Como estávamos no recesso forense, foi o pedido de limi- nar submetido à presidência do Supremo Tribunal Federal, ocu- pada então pela eminente Min. Cármen Lúcia. Seleciono de seu despacho apenas uma passagem, com o seguinte teor: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”. Essa palavra, “impunidade”, é um pouco marcada, não só por seu intenso uso
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