Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021

25  R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 11-32, Abr.-Jun. 2021  concepção sacral da pena explicam porque, para Kant, o sujeito passivo do delito – e não o soberano cuja lei foi violada – era o senhor do poder da graça. Digamos que a opinião do filósofo nesse passo ateve-se mais aos costumes do que à sua metafísica. O fato é que o poder da graça, repartido no Brasil entre o Congresso Nacional, com sua atribuição exclusiva sobre anistia (art. 48, inc. VIII, CR), e o Presidente da República, a quem toca “privativamente” (art. 84, inc. XII, CR) “conceder indulto e comu- tar penas com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei”, configura, nas palavras do mestre Paulo Bonavides, “uma das mais perfeitas e poderosas técnicas da concepção liberal (...) que o Estado tem a seu dispor para cicatrizar feridas no orga- nismo político da nação” 42 . A tal poder impôs a Constituição da República alguns limites: são “insuscetíveis de graça ou anistia” os crimes de tortura, o comércio de drogas ilícitas, o terrorismo e os integrantes da classe dos (mal)chamados “crimes hediondos”, como expressamente nela demarcado (art. 5º, inc. XLIII). As coisas estavam assim quando sobreveio o Decreto nº 9.246, de 21.dez.17, concedendo o chamado indulto de Natal. Subscrito por um Presidente da República politicamente desgas- tado, o decreto não se afastava muito dos modelos anteriores, inclusive quanto à maior abrangência. Logo após a promulgação da Constituição, no governo José Sarney, a pena máxima dos cri- mes indultados era de 4 anos; passou para 6 anos com Fernan- do Henrique Cardoso; foi para 8 anos no segundo governo Lula e para 12 no governo Dilma Rousseff e no decreto de 2016 – já editado por Michel Temer. Havia, pois, uma tendência a supri- mir tal requisito, talvez porque alguém no Conselho de Políti- ca Criminal e Penitenciária tenha chegado à brilhante conclusão de que condenados a penas longas não são menos merecedores de clemência do que condenados a penas menores, e quiçá a mereçam mais. Também a exigência do tempo de privação da liberdade efetivamente cumprido para não reincidentes conde- nados por crimes sem violência ou grave ameaça caía no decreto para 1/5 (um quinto). A imprensa – particularmente os colunis- 42 Em Saraiva de Moraes, Railda, op. cit., Prefácio, p. X.

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