Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 9-30, Abr.-Jun. 2021 20 pregada num projeto maior, num grandioso projeto de controle punitivo de certos estratos sociais. Desde a obra Punição e Estrutura Social, de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, para muitos fundacional da criminologia críti- ca, as relações entre omodo de produção e o sistema penal ficaram mais visíveis. Aprivação da liberdade foi a pena por excelência do capitalismo industrial: medida em tempo, como o salário, e disci- plinadora da mão de obra. É de fácil compreensão o sistema penal do capitalismo industrial: de um lado, a fábrica, e de outro a peni- tenciária; na praça entre os dois edifícios, vagabundeia o exército de reserva que garante o nível dos salários; basta criminalizar gre- ve e vadiagem, e a receita está completa. Uma visão menos per- functória desse sistema penal reside no indispensável Cárcere e Fábrica, de Dario Melossi e do saudoso Massimo Pavarini. Porém mesmo o mais distraído dos juristas terá percebido que as coisas mudaram, e à atual hegemonia do capital vídeo-financeiro trans- nacional correspondem transformações que atingem a legislação (quem já tinha ouvido falar anteriormente em crimes chamados lavagem de dinheiro ou publicidade de emboscada?), o funcio- namento do sistema penal (como não percebemos anteriormente que tínhamos quase um milhão de pessoas a serem presas e mais do que isso a serem vigiadas?) e mesmo alguns fundamentos do direito penal – nesse último caso, não sem resistência. Da ampla literatura que se ocupa dessas transformações, que outorgaram à questão criminal uma centralidade só observada em experiên- cias históricas autoritárias, mencionarei apenas Loïc Wacquant (cuja fórmula expressiva, a substituição do Estado social de di- reitos pelo Estado penal, correu mundo). Alessandro De Giorgi (AMiséria Governada pelo Sistema Penal) e Jonathan Simon (Go- vernando pelo Crime) são outras contribuições importantes para compreender as novas funções que o sistema penal desempenha no novo cenário econômico. Não nos iludamos: o crime compen- sa. As ações das empresas que exploram penitenciárias privadas integram o índice Nasdaq, da chamada “nova economia”. Aqui- lo que Nils Christie chamou de indústria do controle do crime movimenta em equipamentos (de câmeras a armas, de carros a
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