Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 138-171, Abr.-Jun. 2021 168 honesta, trabalhadora e que tem naquele processo um evento isolado em sua vida, etc. Para tanto, é indispensável que um árduo trabalho de des- construção da imagem de “indiciado-denunciado-réu-pronun- ciado” seja desenvolvido para que a equação não se feche com o adjetivo “condenado”. É preciso romper com o paradigma de que o processo penal se consubstanciaria em um mero ritual de passagem, passando o sujeito da condição de indiciado para a de condenado, como se a verdade fosse aquela retratada desde a investigação policial e a ação penal, um mero procedimento burocrático de aplicação de uma pena. Ocorre que isso somente é possível se for dado ao defensor e seu acusado o direito se dirigirem aos jurados “de corpo pre- sente”, sem o intermédio de qualquer parafernália tecnológica. É o que Luiz Eduardo de Vasconcellos Figueiredo, em sua tese de doutoramento em antropologia na Universidade Federal Flumi- nense, chama de “verdade cênica”: A verdade cenica necessita, para produzir os seus efeitos sim- bolicos, seus efeitos de poder, de uma competencia propria- mente cenica, ou seja, da capacidade de o ator representar a cena com veracidade; da habilidade de o ator olhar confiante nos olhos dos jurados e dizer – muitas vezes sem palavras, num discurso nao verbal: “eu trago a verdade nas minhas entranhas”. Mas nao só a verdade dos fatos, mas, tambem, a verdade do sujeito – do acusado, da vitima, do advogado que fala –, a verdade que nao quer calar; a verdade que nao pode calar; a verdade que clama pela Justica. E justica que, no tribunal do juri, só pode ser feita pelas maos dos jurados. O ator social precisa ter um olhar que seja a expressao da ver- dade. (...) O ritual judiciario espera do acusado um comportamento de submissao e passividade. Desconhecendo as regras liturgicas que colocam em funcionamento a maquina judiciaria, o reu
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy NTgyODMz