Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 138-171, Abr.-Jun. 2021 156 de que uma testemunha tome conhecimento do depoimento de outra, muito menos que uma acompanhe “em tempo real” as de- clarações da outra. Outro ponto que deve ser deduzido em relação à prova tes- temunhal, neste momento de reflexão, é a interpretação teleoló- gica do artigo 217 do Código de Processo Penal, relevantíssimo instrumento para que a pessoa que possa contribuir com o escla- recimento do fato tenha liberdade para dirigir-se ao Juiz e relatar aquilo de que efetivamente tomou conhecimento. O mencionado dispositivo estabelece uma exceção à regra de que ao acusado, que no processo-crime exerce a sua autode- fesa, é dado o direito de confrontar as testemunhas e presenciar todos os atos de colheita de prova produzidos em seu desfavor: diz a lei que, se a presença do acusado puder causar humilha- ção, temor, ou sério constrangimento à testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, o Juiz poderá determinar a sua retirada do recinto até que se conclua a declaração. O que o dispositivo legal pretende estabelecer é que a tes- temunha preste as suas declarações em um ambiente em que ela se sinta segura o suficiente para, na medida do possível, relatar tudo aquilo que sabe e que pode acrescentar para o esclarecimen- to do fato. Essa é, nitidamente, a sua ratio legis . O ato de prestar depoimento, especialmente para pes- soas mais humildes, é algo desgastante sob o ponto de vista emocional, haja vista que, além de estar obrigada a recordar e narrar um fato que, quase sempre, trouxe profundos traumas – não apenas quem sofre a violência experimenta o trauma, mas, também, aqueles que presenciam o evento, ainda que em menor escala –, ainda se vê em uma solenidade formal, sub- metida a uma elevada autoridade do Estado, um magistrado, o que impõe um certo temor, e ainda fica obrigada a respon- der as indagações diretas feitas pela acusação e pela defesa, às vezes, de forma incisiva. É necessário criar, para que a con- tribuição com a Justiça não se torne uma pena, um ambiente acolhedor ou menos hostil.
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