Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
15 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 11-32, Abr.-Jun. 2021 Antes de mais nada, este “ não difere em substância ” é discu- tível pelo menos desde 1867, desde o famoso estudo de Ihering sobre o momento da culpa no direito privado romano. O ilícito penal é integrado pelo injusto (conduta típica e ilícita) e pela cul- pabilidade. Mesmo do injusto penal não se pode dizer que “ não difere em substância ” do civil, porque a tipicidade não pode ser estruturada a partir da analogia, procedimento completamente viável para o injusto civil. Não há ilícito penal sem culpabilida- de, mas o ilícito civil é frequentemente imputado em regime de responsabilidade objetiva. A distinção iheringuiana entre “injus- to subjetivo” como “lesão jurídica culpável” e “injusto objetivo” como “lesão jurídica inculpável” 18 por si só revela diferenças es- senciais entre o ilícito penal e o civil, pelo menos para quem leva a sério as graves exigências colocadas pela culpabilidade. Outros problemas surgem do otimismo com o qual os ilus- tres Autores afirmam que a diferença entre o ilícito penal e o civil residiria “ apenas ” na sanção a elas cominada. “ Apenas ”? Apenas !? Será irrisória a distância entre as sanções restitutivas ou com- pensatórias do direito privado – cujas cláusulas penais em geral apenas beliscam o patrimônio do vencido – e a pena, essencial- mente inflição autorizada e (mal)medida de sofrimento através da radical supressão de direitos? Mesmo a violenta coerção dire- ta, administrativa (agentes da defesa civil despejam a família da casa prestes a desabar) ou processual (a prisão em flagrante do agressor armado), se justifica cabalmente pela remoção de um dano iminente. Não assim a pena, medida sancionatória sempre executada a frio, inevitavelmente distanciada do conflito crimi- nalizado ao qual pretende responder. No processo civil, o deci- sum é construído dialética e horizontalmente: o autor demarca seu pedido, que o réu negará, confessará ou recortará (e even- tualmente reconvirá, contrapondo ao autor seu próprio pedido); se ao longo do procedimento reajustarem seus interesses, dis- pensarão a jurisdição. No processo penal, o decisum é construído ortodoxa e verticalmente. Enquanto o processo civil encontra uma solução para o conflito, no processo penal profere-se uma decisão 18 Ihering, Rudolph von, El Elemento de la Culpabilidad en el Derecho Privado Romano , p. 62.
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