Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 9-30, Abr.-Jun. 2021  14 do poder punitivo, segundo os filtros da legalidade, da constitu- cionalidade e da racionalidade, constitui a indelegável tarefa do direito penal enquanto saber jurídico. Removido o primeiro obstáculo epistemológico à compre- ensão do poder punitivo, que reside na difundida concepção de um direito penal subjetivo estatal, concepção que encobre ideo- logicamente o claro exercício de poder estatal que temos na per- secução e na execução penal, passemos ao segundo, acima refe- rido como a pretensão da teoria geral do processo de equalizar o penal ao civil. Antes de mais nada, cumpre realçar o merecimento da pro- dução teórica processual brasileira a partir daquilo que Ada Pel- legrini Grinover chamou de “escola processual de São Paulo” 14 . Não obstante, parece que a ficção do direito penal subjetivo é confortavelmente reciclada por categorias jurídicas processuais, o que leva muitos processualistas a insistirem nela. Tomemos um discípulo direto de Enrico Tullio Liebman, e um discípulo espe- cialmente talentoso: Frederico Marques. Ele sabia claramente que “o Estado tem o direito de punir apenas nos casos expressamente determinados pelo direito objetivo” 15 . Ora, umdireito que só pode ser exercido nos estritos casos previstos e sob rígidas condições estabelecidas em lei somente num hospício poderia ser chamado de faculdade; apesar disso, Frederico Marques considerava a ob- jeção à existência do ius puniendi “irrelevante e inconsistente” 16 . Abramos aquele livro seminal de 1974, que em certo senti- do foi o estopim para a grande difusão da disciplina acadêmica que era também seu título: Teoria Geral do Processo, de Araújo Cintra, Ada P. Grinover e Cândido Dinamarco. Leiamos uma pas- sagem explicativa das similaridades entre jurisdição penal e civil: “Basta lembrar que o ilícito penal não difere em substân- cia do ilícito civil, sendo diferente apenas a sanção que os caracteriza” 17 (grifamos). 14 Suas origens e expansão em O Processo em Evolução, pp. 3 ss. 15 Elementos de Direito Processual Penal, v. I, p. 11. 16 Op. cit., p. 10. 17 Teoria Geral do Processo, p. 94.

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