Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
13 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 11-32, Abr.-Jun. 2021 tributarista não é indispensável amar o tributo. É verdade que Hobbes mencionou um direito de punir que pertenceria ao so- berano 8 , porém tal direito proviria da transferência a ele pelos súditos de seu direito à autodefesa incompreensivelmente tra- vestido em direito de punir 9 . Mas foi o próprio Hobbes quem, em passagem lapidar, deixou claro que o mal apelidado magistério penal não só exprime o exercício de um poder, mas representa o maior poder entre todos aqueles de que dispõe o soberano: “Portanto, como é necessário, para a segurança dos particula- res – e, por conseguinte, para a paz comum – que o direito de usar o gládio do castigo seja transferido a algum homem ou conselho, necessariamente se entende que este tenha direito ao poder supremo na cidade. Pois quem tem o direito de pu- nir à sua discrição tem direito a compelir todos os homens a fazerem todas as coisas que ele próprio quiser; e não se pode imaginar poder maior que este” 10 . Locke praticamente identifica poder punitivo com poder político, frisando mais de uma vez tratar-se de um poder desti- nado essencialmente à conservação da propriedade 11 . Não existe direito de punir, mas existe um poder de punir, juridicamente regulamentado no Estado de direito, que Hobbes assinalou como o maior entre todos. Conhecer a realidade social desse poder é encargo da criminologia e da política criminal, essa última concebida não como a “legislação do futuro”, qual pre- tendia von Liszt 12 , nem como um “direito penal dinâmico”, qual propunha Asúa 13 , e sim como a ciência política do poder punitivo . Quanto mais a política criminal se aproximar da ciência política, mais equipada metodologicamente estará para a compreensão específica desse poder, maior entre todos, cujo exame histórico revela vertentes aterrorizadoras. Mas a domesticação normativa 8 Leviatã, p. 182. 9 Como observou Marcus Alan de Melo Gomes, tal “direito de punir não foi, portanto, dado ao soberano; foi-lhe deixado” (Hobbes, direito penal do inimigo e Estado democrático de direito, p. 85). 10 Do Cidadão, p. 118 (cap. VI, 6). 11 Segundo Tratado sobre o Governo , pp. 14, 62 e passim . 12 Lehrbuch des Deutschen Strafrecht , p. 13. 13 La Política Criminal en las Legislaciones Europeas y Norteamericanas , p. 9.
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