Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021

 R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 9-30, Abr.-Jun. 2021  12 XX para constatar como Bachelard estava certo. Os dois obstácu- los epistemológicos que se antepõem à emergência do conceito de poder punitivo na teoria geral do direito penal residem: 1º) na concepção de um direito penal subjetivo; 2º) na pretensão da teoria geral do processo de equalizar o penal ao civil. Ao contrá- rio do que possa parecer, os dois obstáculos operam em regime de colaboração e se retroalimentam, como buscaremos perceber. A concepção de um direito penal subjetivo, no sentido de uma faculdade (ou pretensão) do Estado correlacionável à obri- gação do réu de submeter-se à pena, é artificiosa e, a rigor, in- compatível com o próprio Estado de direito respeitoso da estri- ta legalidade. Sim, se a lei penal deve ser aplicada nos exatos termos de seus comandos, sem ultrapassá-los, mas também sem eludi-los, as agências do sistema penal que as aplicam não exer- cem nenhuma faculdade, mas sim um poder cuja regulamenta- ção jurídica atrela sua realização a um dever, daí resultando um poder-dever. Nos crimes de ação penal pública, a esmagadora maioria deles nos dias de hoje, a polícia obrigatoriamente in- vestiga e o Ministério Público obrigatoriamente propõe a ação penal, ambos submetidos rigidamente às leis penais e processu- ais-penais. Tampouco existe, como anotou Francesco Antolisei, qualquer dever do réu de submeter-se à pena; ao contrário, “é a ela submetido” 4 . Também Aníbal Bruno se escandalizava com ser “a submissão do réu à pena (...) tomada como cumprimento de uma obrigação jurídica” 5 . Aliás, o saudoso mestre pernambu- cano em seu livro intitulava o tópico correspondente da seguin- te forma: “Do suposto direito penal subjetivo” 6 . Em suma, não existe – salvo em alguns manuais de direito penal – não existe um ius puniendi , mas sim existe uma potestas puniendi. Saudemos os tributaristas, que não perdem seu tempo com discursos ocos de legitimação do tributo e falam diretamente de um “poder de tributar”, como, por exemplo, Hugo de Brito Machado 7 ; para ser 4 Manuale di Diritto Penale , P.G., p. 37. 5 Direito Penal, v. I, t. I, p. 21. Há pelo menos três décadas, tento repassar aos estudantes a lição de Bruno (cf. Batista, Nilo, Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, pp. 106 ss.). 6 Op. cit., p. 19. 7 Comentários ao Código Tributário Nacional, v. I, p. 143.

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