Revista da EMERJ - V. 23 - N. 2 - Abril/Junho - 2021
R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 102-137, Abr.-Jun. 2021 118 Por ocasião da densidade desses princípios, o legislador tem elaborado regras jurídicas que abarcam tais diretrizes. Por exemplo, o já citado art. 466, §2º, do CPC e o recente art. 3ºB, XVI, do Código de Processo Penal, com a redação conferida pela Lei 12.964/19 – o Pacote Anticrime, prescrevem com nitidez a necessidade de oportunizar a nomeação de assistente técnico na produção da perícia. Da mesma maneira, a regra prevista no art. 28 da Lei 9.784/99, verdadeiro dispositivo de “sobredireito” 29 , assinala que quando um ato administrativo possa causar efeitos ou prejuízos na esfera jurídica do administrado, é necessária a preordenação das garantias e da efetividade do contraditório no sentido material – o texto da norma vai ao encontro do programa estabelecido pelo modelo constitucional de processo. A tessitura aberta dos direitos fundamentais reclama a concretização com a utilização do postulado normativo da pro- porcionalidade. Se tradicionalmente tais direitos meramente es- cudavam os sujeitos com um direito de defesa, atualmente, eles também encerram a vertente positiva da proporcionalidade – a vedação da proteção indeficiente 30 . O descumprimento dos di- reitos fundamentais (prova, igualdade e contraditório), além da crise de inconstitucionalidade e a decorrente invalidade que acarreta à perícia em que não se oportunizou a nomeação de as- sistente técnico, também está configurado o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 25 da Lei 13.869/19, principalmente, o parágrafo único 31 : 29 Um dispositivo de sobredireito apreende as determinações constitucionais, embora topologicamente esteja positivado em determinado conjunto de regras. Nem por isso deixa de ter aplicação a todos os casos similares, porque a força normativa dessa regra transcende os limites da lei na qual está inserida – pela assertividade prestacional, pelo caráter instrumental e tendo em vista a consecução da finalidade consti- tucional que a regra abarca. 30 FELDENS, Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 73 e seguintes. Avedação da proteção indeficiente abaliza o dever de o legislador infraconstitucional tipifi- car como crimes determinadas condutas ilícitas. Aprópria Constituição discrimina o que é mais importan- te, quais os bens jurídicos a serem consagrados, a ponto de se considerar criminosa determinada conduta. No caso, a violação do contraditório é de tamanha grandeza, que a não oportunização da nomeação de assistente técnico em perícia atualmente é reputada figura criminal prevista na lei de abuso de autoridade. 31 O tipo do parágrafo único não exige dolo específico tampouco alguma alegação referente ao erro de tipo. Afinal, o operador jurídico deve saber lidar com o direito, ainda mais em se tratando de direito fundamental violado. Ver MARQUES, Gabriela; MARQUES, Ivan. A Nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19 comentada artigo por artigo). São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 116/7.
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